PÓ DE ESTRADA
José Luis Flores Moro
Nas guaritas bambas das porteiras
fui sentinela em tardes de guri
da teatina vida das estradas...
Olhos distantes, de lonjura a fora,
procurei no ritual das polvadeiras
encontrar respostas verdadeiras
do por que das idas e demoras.
A carreta passou, chorando rodas
e o boi-da-ponta se avivou em patas
quando a picana cutucou no lombo.
Eu não sabia,
mas a carreta não mais voltaria,
porque "a lo largo" da estrada fez-se estátua
e foi dormir no catre dos museus!
O rufar de patas fez tremer barrancos
e a cortina de pó ganhou os ares,
como nuvens carregadas para chuva,
levando tropas para o matadouro.
Entre assovios e o latir dos cuscos
o "eira boi" finou-se no horizonte,
seguindo os rastros dos que vieram ontem,
mas fazendo marcas de casco e pai de fogo
para deixar pros que viriam atrás.
Eu não sabia,
mas a tropa também não voltaria,
pois um tropeiro bagual e roncador,
com aporreados cavalos de motor,
faria changas no rol das invernadas
levando o gado, sem gritos, sem pousadas,
sobre as potentes patas de borracha.
O peão de estância que enfrenou o zaino
e emalou recuerdos para domar saudade,
também passou pras bandas da cidade,
entonado de pilcha e de esperança.
Eu não sabia,
mas o peão também não voltaria,
pois enormes vaga-lumes de ilusões
rondariam as janelas dos galpões
procurando o potro-liberdade,
para prendê-lo, de alma e pensamento,
no tronco de asfalto e de cimento
de um brete chamado de cidade!
De alma em cerne
e melenas trancadas de minuanos,
veio gambetendo ao grosear dos anos
o velho alambrador que plantou cercas
para o varal das verdes caturritas...
Olhos compridos de varar os montes,
também quis ver, bem rente da barbela,
que luz estranha era aquela
que incendiava o horizonte?
Eu não sabia,
mas o alambrador também não voltaria,
pois que adiantaria ainda semear moirões
se o pampa se rendeu às vastidões
dos muitos e muitos latifúndios!
...E muitos outros passaram pela estrada:
"O Ligeira", o Mascate, o Domador...
Pessoas que sovaram o corredor
em busca de um além que se fez sonho
nos contos de fadas do horizonte.
Eu não sabia,
mas ninguém mais voltaria,
pois onde desemboca o rio da estrada,
nas águas turvas e negras dos asfaltos,
arrinconou-se o crime e os assaltos
extorquindo valores e morais,
fazendo com que além das sesmarias
ficasse mais solita a gadaria
e mais inútil o lombo dos baguais!
E numa volteada também me dei por conta
que o pampa fenecia igual tapera
e apesar da minha saudade e espera
ninguém... ninguém mais retornou!
Eu quis saber porque ninguém mais voltou
e o que encontraram de bom pra não voltar.
Desci da minha última porteira,
vesti minhas ilusões mais estradeiras
e me mandei, também, a "deus-dará".
Porém, aí eu já sabia
que também não voltaria,
pois, como os outros, bateria o pó da estrada
bombeando rumos que não levam a nada,
sem ter coragem pra poder voltar...