PECHINCHAS

José Luis Flores Moró


Ainda a pouco,
Nas avenidas da cidade,
Um índio velho oferecia, em altos brados,
Quinquilharias que a ninguém interessava:

- Olhem...
Estou vendendo uns trastes de couro bem curtido
E lonqueado por meus braços de guasqueiro,
Uma sela, uma chincha e um baixeiro,
Além do relho e um buçal para domar.

- Tenho também...
Um laço por sovar,
Rédeas e freios, um pelego e um chergão,
Que hoje são trastes de estorvo pr’este peão
Que não tem mais cavalos pra montar!

- Vejam...
Uma faca talhada por ourives,
De cabo e de bainha feito em prata,
Mas que não passa de mais uma sucata
Que a sociedade proíbe-me de usar!

- Vendo barato...
Pra quem quiser comprar,
Pois na mesa desse antigo peão campeiro,
Pela sina infeliz de biscateiro,
Já não há quase mais carne pra cortar!

- Quem vai querer...?
Um velho par de esporas sem rosetas
Que se gastaram no “mól” dos aporreados,
Correias secas e o papagaio enferrujado
Pela falta de rumo e de tropeadas!

- Um par de botas...
Couro de búfalo, riscada
De banhados, capões e unhas-de-gato,
Pois que me adiantam se deixei os matos
E no asfalto não tem barro nem aguadas?

- Aqui está...
Um lenço rubro...maragato,
Que o tempo maula o tornara desbotado,
Mas que foi minha bandeira no passado
E ideologia fanática de moço.

- Uma bombacha...
Favo de abelha, em pano grosso,
Eterna companheira nos cambichos,
Mas que já não passa de gozo nos bolichos
Por aqueles que taxaram-me de “grosso”!

- Ainda tem mais...
Uma guaiaca de couro de capincho
Que guardava as patacas das esquilas,
Mas que hoje não enxerga nem os “pilas”
Das changas indigentes da cidade.

- Tenho um pala... seda inglesa... uma raridade!
- Um chapéu...
Mas esse eu não vendo,
Pois, infelizmente, dele ainda dependo
Para colher esmola e caridade!

- Tenho ainda...
Uma bomba de prata desgastada
Pelo sumo da erva e da saliva.

- Uma cuia... que conserva ainda viva
Nos vernizes do bojo as tradições. Quero vende-la,
Pois meus poucos e tristonhos chimarrões
Que a erva misturada proporciona,
Não tem mais o gosto da brasa e da cambona
Nem a fumaça revolta dos galpões!

- Tenho também...
Páginas e páginas de história
Que meus avós escreveram e me legaram
E algumas pontas de lança que ficaram
Entranhadas no ventre do passado
Que, embora sejam bens já sem valor,
É o muito do que tenho a dar amor
E o pouco do que tenho me orgulhado!

- Ainda tenho...
Mas isso eu vou deixar como herança
Que é uma pontinha leve de esperança
De, um dia, juntar todos esses tarecos
Na mala de garupa da saudade
E me mandar, “sem lenço e documento”,
Desse pampa desumano de cimento
Pras minhas raízes de campo e liberdade!

Ainda a pouco,
Nas ruas da cidade,
Um índio velho oferecia, em altos brados,
Um Rio Grande
Que a ninguém interessava!