Alma Tapera

José Luís Flores Moró

 

Minha alma também é uma tapera

Oculta aos muitos matagais dos anos,

Sementando os grãos dos desenganos

Que o vento planta no final das tardes,

Meia aturdida com o temor e o alarde

De mil demônios e bichos peçonhentos

Em eternos festivais de meus tormentos

Que alertam as nuvens dos meus céus covardes!

 

Mas antes de tapera fui mansões e fui palácios

Rodeado de jardins e alamedas,

Janela grandes - Cortinais de seda.

Portal gaúcho de imponência guapa!

Sem jamais imaginar que nesse mapa

De tantas geografias e alambrados

Viesse ranger porteiras, nesses meus costados,

Essa interpérie de visões farrapa!

 

Pois também tive erguido minhas paredes

Com as pedras e o barro da esperança,

Tive a alegria e o sorriso das crianças

Correndo em minhas loucas vastidões!

Tive mistérios nos sótãos, nos porões,

E nos labirintos de minhas chaminés,

Transmitindo, desde o teto aos rodapés,

O calor de minha guarida e meus fogões!

 

Tal qual a casa nova quando pronta

Abre a porta e recebe o construtor,

Também escancarei o meu amor

E abri cancelas de mim para uma prenda!

Transformei-me de rancho pra fazenda,

Sovei meus parapeitos pela espera

E, finalmente, virei nessa tapera

Quando essa china, um dia, virou lenda!

 

Tive também meus pássaros cantores

Clarinando meus oitões bem falquejados,

Dei raízes aos pilares afundados

Nas entranhas da terra e do cascalho.

 

Fui "consumo"... Fui sinuêlo... Fui atalho

Para o princípio de ternas amizades

E abri cancelas aos ventos da saudade

Que comprimiam meu teto e meu assoalho!

 

Tive varandas enormes... Mobiliadas...

Cheias de quadros sorrindo nas paredes,

Uma sala com flores e com redes

Para o descanso de amigos e parceiros.

Eu era dono de todos meus potreiros

Até perder os antigos moradores

Com a abertura de muitos corredores

E a chegada prematura dos posseiros!

 

Uma a uma...

Foram levando minhas táboas

E espalhando meus pedaços pelo mundo.

No princípio fui o lar dos vagabundos

E, depois, de corujas e de cobras,

Até que a engenharia de minhas obras

Fora tragada pela grama e pelas heras.

Oficialmente fui tombado por tapera

No monte de escombros de minhas sobras!

 

Agora...

Só os vultos andejantes do minuano

Visitam minhas paredes carcomidas

E alguns fantasmas impiedosos de outra vida

Ainda brincam nos meus quartos destruídos;

Ectoplasmas dos dias bem vividos

Que, nas noites horrendas de hora incalma,

Buscam charlas com os espectros dessa alma

Como se não estivessem mortos e perdidos!

 

Porém...

Quando se dizimar o último tijolo

Sobre o útero do barro em que foi feito,

Por certo irá brotar sobre esse leito

Apenas sementes de flores e de heras

pra que essa alma, lúgubre tapera,