José Luiz Flores Moro – Enviado pelo próprio
autor
Mescla
de barro e taquara
Entaipei
as quatro paredes,
Cobrindo,
devagarito, com feixes de santa-fé.
Com
leivas de tabatinga
Bem
batida... bem sovada...
Fiz
o piso, o fogão e o primeiro chimarrão
Que
se emborcou numa mão
Numas
dez léguas quadradas.
Arei
a terra pro milho,
Botei
a vaca de leite e engalinhei o terreiro.
E
nas tardes de longos mates
Pensava,
com o olhar distante,
Neste
chão que Deus me deu...
Além
da sanga dos fundos,
Além
do rio e dos montes,
Além...
bem além do horizonte,
Caramba!
Tudo era meu!!!
A
geada mais caborteira
Do
dia mais frio de agosto
Me
encontrava aconchegante
Ao
redor de um fogo de angico
Que
largava, impertinente,
faíscas guapas de quentes,
Pelas
rugas do meu rosto.
E o
silêncio da coxilha quebrou a primeira vez
Com
o alarde do quero-quero;
E
um troteado bem distante
Mostrava
que um visitante se achegava, de mansito!
Era
um índio da cidade
Desses
de terno e gravata
Que
pra nós é diferente
Desses
que, a primeira vista,
Até
nos causa a impressão
De
que já vão pondo a mão,
Limpando
o bolso da gente!
Sem
mesmo apear do cavalo
Gritou-me
lá da porteira:
-Pras
bandas cá de Cruz Alta,
Num
tal de Passo Real,
Ergueram
uma taipa bem grande
E
um naco desse Rio Grande
Vai
ficar dentro do açude;
Tua
plantação... tua encerra...
Tua
casa e toda esta terra
Vai
virar lama... no fundo!
Sem
entender patavina,
Peguei
das mãos do vivente
A
tal desapropriação...
Com
letras que me diziam que logo construiriam
Num
lugar perto do povo
Um
cercado e um ranchinho
Pra
que eu criasse uns bichinhos
E
plantasse a horta de novo.
Num
“se vamo”, alcei os trastes
E
galopei pro povoeiro.
Sem
lar... com pouco dinheiro...
Mas
com fé nessas promessas!
Adeus
meu rancho sapé...
Meu
milho de saraquá...
Além
de levar saudades
Levava,
presa na sela,
A
vida vã das favelas
Que
nos impõe a cidade!
Meu
Deus! Que os rumos são muitos
Na
direção do horizonte.
Mas
todos, lumes de sonhos
Mesclado
a medos medonhos
De
se morrer de ansiedade!
Mentira!
Tudo
mentira....
Foi
pura politicagem!
Pois
já passam mais de anos
Que
ando margeando cidades,
Procurando
autoridades sem nunca ser recebido
E
sentindo barbaridade!
Na
entranha xucra do peito
Que
o homem não tem direito
Nem
mesmo ao que é propriedade!
Andejante
das calçadas
Constituí-me
um teatino,
Tendo
por sina e destino
Escritório
de governantes;
Mendigando
entre os mandantes
O
tal “direito e garantia”,
Trocando
meu próprio mate
Por
tarefas e biscates
Que
changueiam a “bóia” do dia.
Nas
buscas de um andarilho
Quantos
valores se perdem
Por
entre os rumos que apontam
Sempre
um ponto no horizonte
Que
não se pode chegar...
E
quando a saudade açoita,
Paro-me
a pensar, com mágoa,
Que
um mundo no fundo d’água
Foi
o chão que Deus me deu...
E
que além da sanga dos fundos,
Além
do rio e dos montes,
Além...
bem além do horizonte,
Caramba!
Tudo foi meu!