CRUZ DO MARAGATO

José Hilário Retamozzo

 

Pedro velho, maragato,

residia num reduto de chimangos,

que a lo bruto não respeitava ninguém.

Topetudos, costas-largas,

afilhados do intendente

que era um maula quebra-dentes

e apaniguado também.

 

Arruaças, provocações, mentiras,

chistes, intrigas,

às vezes algumas brigas

e eles donos da razão!

Lenços brancos ao pescoço

montados em bons cavalos,

eram reis para os vassalos

do medo, nesse rincão.

 

Pedro velho, maragato,

nas lidas de sua estância

guardava sábia distância

dos chimangos arbitrários,

mas, às vezes, por acaso,

não conseguia, na estrada,

fugir nalguma cruzada,

de encontros desnecessários.

 

Firmava os olhos tranqüilos

nos maulas apadrinhados.

E eles até intimidados

pela franca valentia,

guardavam chairas e facas

na bainha dos rancores,

resmungando seus temores

pela voz da covardia.

 

Uma feita, num domingo,

depois de uma carreirada,

ali, na volta da estrada,

no que desponta do mato,

na restinga, Pedro velho

topou-se num redepente

com dez chimangos de frente

e ele, tão só - maragato.

 

Foi cercado pela fúria,

já de algum tempo contida.

Pressentiu que a sua vida

valia o brio que se tem...

As adagas inimigas

relampaguearam no espaço

e ele aparou-as no braço,

já de arma na mão também.

 

Formou-se bárbara luta,

horrível e desparelha!

Seu lenço - chama vermelha!

Altivo, revoluteia

dentro do ciclo branco.

Boca escancarada de um poço

e sangria no alvoroço

dessa trágica peleia.

 

Pedro velho, maragato,

no meio, valente e só.

Nuvens de raiva e pó

erguem-se deles em torno

e o suor de Pedro, escorrendo,

gruda na terra vermelha,

e logo já se emparelha

ao próprio sangue ainda morno.

 

Pontaços de ódio profundo

como sinuelos da morte.

Riscos, planchaços...

Um corte no peito, ali...

bem em cima do coração maragato,

que aos poucos,

sangra e se esvai...

Cambaleia. Quase cai,

porém, de novo se arrima.

Olha no fundo dos olhos

deles todos, um por um

e o gesto igual e comum de todos

foi, de desvia-los e tremeram,

por sentirem nos corações

de covardes,

a firmeza sem alardes

de um gauchão a enfrentá-los.

 

Depois, caiu estirado.

Adaga longe da mão

igual a uma cruz humana.

O vento no fim da tarde,

brincou com as franjas

do lenço vermelho do morto...

Imenso e só, na gesta pampeana.

 

A noite veio, e com ela,

o silêncio, a escuridão...

O corpo na imensidão da pampa

mais solitário, ali,

junto a restinga e o mato...

Era o fim do maragato

e o começo de um fadário.

 

Ali, onde Pedro velho

viu a penúltima luz

que se alteia na paisagem,

sa mãe, com devoção,

ali deixou amarrado

um lenço velho, encarnado,

como última homenagem.

 

Passaram-se muitos anos.

Mas relembrando este fato,

o lenço do maragato

na cruz ainda permanece.

Mas é sempre um lenço novo,

novo, rubro e colorado,

por ser sempre renovado

o ideal que nunca envelhece.