CHAGAS DO TEMPORAL
José Estivalet
O temporal vinha feio
Num entrevero de nuvens
Como um estouro de tropa.
E o piá galopa, galopa
Para fugir da tormenta.
O petiço não agüenta
Já velho, fraco e cansado
Tropeça e roda o coitado
E ali no mais se arrebenta.
Já quase no meio da noite,
E o temporal vindo perto.
Um mundão de campo aberto
E o pobre piá bem solito.
O petiço ficou quebrado
E ele não era assustado
Se foi andando a pesito.
Pensando consigo mesmo
Que a mãe estava em perigo
Pois o ranchinho, lhes digo
Com qualquer vento se ia.
Pediu pra Virgem Maria
Que protegesse a velhinha
Que se encontrava sozinha
E ele ajudar não podia.
Nisso caiu a
tormenta
Numa força encarniçada
De vento, chuva e trovoada
Mais algum raio extraviado
E o guri bem agarrado
Numa pedra de bom porte
Maldizia a triste sorte
Do seu petiço, coitado.
Mas logo perto dali
Caiu um raio na estrada
E aquela pata quebrada
Que maltratava o petiço
Parou pra sempre de doer
Não valia a pena sofrer
Se já não prestava pra nada.
O temporal foi passando
A ventania acalmando
E a chuva veio ao normal
E o gurizito, afinal,
Rumou p'ra velha morada
Onde sua mãe adorada
Devia estar lhe esperando.
Chegou no
local do rancho
Estarreceu-se de dor
E uma máscara de horror
Cobriu-lhe o rosto inocente
E duas lágrimas quentes
Rolaram-lhe sobre a face
Como se desmoronasse
O mundo inteiro em sua
frente.
Tentou gritar, mas não pode
Um soluço cortou-lhe a voz
Então, minutos após
Se pôs a gritar e a gritar
"Mamãe, mamãe, onde
estás?"
Passou a noite a clamar
Sem ter respostas, no más.
Nem notícias e nem restos
Porque a fúria do riacho
Levou por águas abaixo
Seu valioso cabedal!
Apenas um velho avental
Ele encontrou, e ainda guarda
Prova cruel e amarga
Das Chagas do Temporal.