TROPEL DOS TEMPOS
Jorge Luís da Rosa Chaves
Duas rodas bem ferradas
Cortando o chão de mansinho,
Riscando longos caminhos
Em direção aos povoados.
Nos limites conquistados
Nesta rude pampa fria,
Cidades engatinhando
Num país lambendo as crias.
Guiada ao ombro – comprida -
E o xirú de voz curtida
Num “era boi!...” de três juntas,
Puxando à ponta a mais mansa,
Passos firmes de esperança
Ao som do clarim das massas
Numa lenta sinfonia.
Um piá como parceiro
E um cusquito companheiro
Na pousada ao fim do dia.
Quem não viu esta paisagem
Amadrinhe esta viagem
Da carreta relicária.
História xucra e lendária
Desta pioneira boerana
Em romaria cigana
Que outrora em potras jornadas
Foi trançando mil estradas
Em nossa terra pampeana.
Surgiam
Das
Homens fartos de ilusões
Alegrando os corredores,
Sorriam... ranchos barreados
- nos olhos arregalados -
...Eram janelas se abrindo.
Molduras com moças... belas!
Nossas ancestrais àquelas...
Desbotadas aquarelas
Num tempo morto sumindo.
Dinastia da bravura
Traziam de lá pro povo;
Restias, milho, feijão novo,
Ah!... e as tropas de peru.
Nos surrões de couro cru
Palhas, cuias e quitandas...
Alimentando estas bandas
Barganhavam por aqui
Pelo que lá não havia,
Cortes de chita macia,
Erva, alpargatas e rendas...
... Um bom extrato pras prendas
Que floreciam os domingos.
E assim por anos e anos
Carretiaram a produção,
Bem antes do caminhão
Se ouvia ecos de apito
E uma fumaça troteava
Nas melenas do horizonte,
Poucas tropas
No
Na divisa do Uruguai.
No oeste onde o sol cai,
Chamando a estrela boieira,
Duras penas, ao relento...
Mas em cada acampamento
Iam semeando alegrias,
Assobiando melodias
Em proseadas estradeiras.
Entre cuentos...
Falavam até nos negócios,
- Sem trampa - em cada guaiaca
Sempre restavam patacas
Pros domingos, nas carreiras,
Pra uma purinha com anis...
...Rapadura pros guris,
No mel das tardes fagueiras...
Mas veio o tropel dos tempos
E as carreteiras abertas
Foram morrendo desertas,
Assombradas no progresso;
Já não se ouve o ringir
De uma carreta chorona
E o grito do carreteiro...
Ah!... Se apagou como um brazeiro
Quando lhe bolcam a cambona.
Outros meios, outros rumos,
E ao sovarem novos fumos,
Aos resmungos, os ancianos
Ruminam, a sós, a memória
Sobre a campa desta história
Que não sepulta os enganos.
-Pr’onde foram as boas novas
do tal desenvolvimento...
que imaginaram em novos ventos,
brados de prosperidade?!...
Soprando alvas bandeiras,
À boca solta em palanques,
Velaram lanças e arranques
Que ao rigor de um protocolo,
Tingiram de vinho o solo
Alargando estas fronteiras.
No grito da evolução...
Prelúdios de vida fácil.
Melhorias infinitas:
Estradas bem mais bonitas,
Máquinas pra trabalhar...
- Nem tudo ainda hoje é sonho
Pra esta carreta abrigar.
Dignidade de um rancho,
O pão farto a cada dia,
Paz em tanta correria,
Honestidade e respeito.
... Por tão pouco os netos lutam
E nem com cem carreteadas,
Hoje... conseguem comprar!