REELATOS DE SINA E CAMPO

Jorge Luiz Chaves

 

Fui taura do couro grosso

Em pingos de toda estampa,

Recorrendo campos largos

Na pátria bagual - a pampa!

 

Bordada no tirador

- Trago a marca farroupilha -

Crismada a frio e calor,

No altar bravio da coxilha...

Onde o vento cumpre a Lei,

Varrendo pastos e rastros

Nos caminhos que trilhei.

 

Trago o borralho dos velhos

Num pouco do que aprendi.

Montando firme parti...

Guerreiro lanciei algozes

Que atormentavam meus sonhos

Capengas de luz e amores.

Repontando as madrugadas...

Do céu apreciava as cores.

 

Num badalar de cincerros

Peregrinava um coral

Assombrando as matarias...

Onde abri picada às tiras

- Riscado a grota e combate -

Sorreando” com as gadarias.

 

Torci pescoço de boi

Que a campo-fora enredei...

Nos rumos acolherei

Sinuêlos de todo o pêlo!

Acordei estradas mortas

Abandonadas... e tortas,

Lidando com fibra e zelo.

 

Castrei potro na minguante,

Alcei a perna em babão

Com “freio de lua nova”.

...Sangue sujo... – redomão -

Carreiras... osso e carpeta,

Orelhei - ganhei – perdi.

Fiz o bem sem ver a quem

Na faculdade da vida...

- Deus mandou a Estrela D’alva -

Orientar m’nha recorrida.

 

Bebi doçuras aos tombos,

Levantei, confiei na cura

Idealista e fiel.

Buscando vida e fartura

Lambi sal e provei mel.

 

Guapo na sina de macho

- Aprisionava inquietudes

Na soga do barbicacho -

Pra embuçalar redomonas

- A pilas de changueador -

Na púrpura claridade...

Em contra-passos de amor.

 

Plantei honra -  colhi changas,

Sentindo a essência dos ares.

- Fui espantando os azares

A rezas, patas e dentes -

Guaxo e liberto no ventre

Dos rincões - a sesmaria!

 

Nos improvisos e domas

Aprimorei meus estudos

Com a herança de pêlo-duro!

Pernoitei com vento e chuva

Rondando tropa no escuro.

 

Benzi tormenta a machado,

Cruzei arroios a nado

- Partejei fêmeas na cincha -

... Cortei umbigo das crias

Pelas macegas cupinchas.

 

Em manhãs de primaveras

Sorvi clarões e matizes!

E acordei dias felizes...

Num poncho azul de... quimeras.

 

Rasguei sulcais nos verões...

Com meus braços... eu colhi!

Gastei laços às rodilhas

Com o preço das ventanias.

Masquei rigores avessos

Pelechando as agonias.

 

Mas quem serei?... Só o que Fui!

Peão, domador, agregado...

...tropeiro fui um bocado.

- Trago legiões na voz –

...Destes pagos do sem-fim.

Fui o que tantos são hoje!

...Fui até patrão... de mim.

  - Gaúcho sempre hei de ser!

...Já desmaniei meus sentidos

Pra farejar paz – ou guerra -

E me apartar de interesses

Que plantam joio na terra.

 

 

Vocabulário:       

 

Sangue-sujo: denominação campeira quase extinta, que significa cavalo com cruzamento sangüíneo e (por vezes) de difícil definição de raças. Isto em diversos rincões.

Sorreando: ter muito trabalho para...

Termo campeiro já pouco usado. Isto pelos gaúchos do campo, em algumas regiões.

Freio de Lua Nova: segundo a convicção de domadores e campeiros, o cavalo que, na doma, é enfrenado sob a influência de Lua Nova (considerada má lua para enfrenar, castrar, etc) adquire o hábito de babar.