A COXILHA DOS AUSENTES

   Jorge Luiz Chaves

Lá onde o norte esconde o vento
Há uma tapera viúva,
Bisonha...a mirar os tempos.

Foi cravada no principio
Quando a virgem terra nossa
- Hospedava as novas gentes...
Desenhando os municípios
num sol de alegrar poentes.

....Nessas matriarcas eras
Sequer meu pai era embrião!
Talvez...um sonho de amantes
Em corações imigrantes.

Nas tronqueiras permanece
À soga... a tenência crua
Dos que cedo amadurecem.

....Ergueram-se verdes altares
Pros mais singelos hinários!
....Dos seresteiros alados,
Que angelicais são crismados
Com "rocio' de noite e lua.

Nesta mãe de tantas castas
Na missa escura pro dia,
Luzia uma centelha!
....Num incensório aos pioneiros.

....Deixaram as sombras
- Pelo véu das pombas -
Fartos verões... às milícias de caturritas...
Por cintilantes infinitos... sem guaritas!

A gadaria por ali apoja as crias -
Que engrossam o couro
Pro gelado vento andino.
....Do lombo esquivo deste cigano uivador
- Um forasteiro sem leitura ou escudeiro -
Boleava a perna cá no lado brasileiro.

 

Frente a uma paz cerimonial sem pára-peito,
Aos fletes suados de invernia desumana...
Sofrena e exclama:
- Que medonho fim de mundo!
....Melena gris - era o fidalgo Segundo.

- Desbravador este paisano de alma clara!
....Sangue e coragem dos orientales
Das velhas Minas de Corrales.
Aos manotaços da morte
- Bandeou a fronteira norte -
com a própria vida na mão.

Puxou esteios e taquaras,
Abriu cacimba, ergueu torrão...
- Barreou um rancho de anca larga pro sul -
....Bordou as abas do chapéu de macegão.

Entrincheirou-se com os bichos que afilhou,
Monge de si, plantou a vida bem ali!
Eu, quando piá, ouvia já nos causos lerdos...
Recuerdos ternos do tapejara segundo.

- E vieram tantos -
Camuflando o próprio nome!
Contrabandeando a existência
....Pra invernar nestas querências.

Resta a certeza que um patrício deu-lhe a mão,
....Naquele pago, onde mais tarde... com afeto
....Eu a beijei... pois fui seu neto!

Nestes conflitos regionais, hoje epopéias,
Foram guerreiros, perseguidos - destemidos -
Sem melhor sorte,
Porém... honrados e altivos!

....Lançar a mão na posse alheia
- Era a mais feia das condenas -
E a gratidão sovava o relho na maldade.
Os homens justos, numa talhada de chão
Jamais fruíam seu quinhão na propriedade!

Com a mansidão servil,
Changueou e criou guaxos,
Em marcações... de "cucharra" encordoava!
Com miúdos fartos engraxava a velha preta,
Gordos regalos... das carneadas que sangrava.

Trouxe de herança cristalina os punhos santos,
Da inocência que no semblante partiu.
Como o lampião, ele apagou bebendo graxa...
Da saga livre que em seu mundo ele cumpriu.

Ainda hoje na coxilha o vento rima...
Novos "Gorgons", zunindo as primas.
....Consola os galhos aos desafinos...
Nos temporais... seus desatinos.

É na invernada lá do fundo,
Onde - fiel - a luz da História...
Guarda a tapera - com a memória -
Do tal... Finado Segundo!


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De cucharra: expressão vinda do Uruguai, usada para adjetivar pealo à
curta distância, principalmente em marcações;

Gorgons(Gorgon): espécie ou marca antiga de arame usada, mais ou
menos, até a metade do século vinte, nos primeiros aramados.




Poema participantes do 8º Pealo da Poesia Campeira de Alegrete