LEGADO
Joel
Capeletti
sobre
as cinzas de um fogo morto.
Longas
noites de ébrio e solidão
puseram-se
como pontas de lança
e
ideais perderam-se
entre
goles e turvos pensamentos.
O
rijo angico já queima bem mais ligeiro,
e
as brasas já não acalentam
essas
mão judiadas,
que
sentem as chamas
ruirem
em clarão e fumaça.
Passou-se
século e meio
de
farrapas batalhas incontestes.
mas
ainda somos os mesmos
heróis
solitários do calvário.
Ainda
temos o mesmo ideal libertário,
as
mesmas esperanças,
o
mesmo sangue caudilho,
e, sobretudo, a mesma bandeira,
desses
devaneios,
que
a cada anoitecer de dia voltam,
acumulando-se
chagas de tormentos
e
dores de nossos antepassados.
E a
nós, o que restou?
Um
campo largo sem horizontes?
Talvez
pastorejar rebanhos alheiros?
Ou,
quem sabe ainda,
buscar
linhas imaginárias
que
os próprios anseios de um homem
fazem
perder-se nos rumos do infinito.
Ergue-te
campeiro!
Companheiro,
tu não estás só.
E
se estiverdes
estás
aquém de teu destino,
fugindo
por atalhos embretados
com
ásperos ventos
que
cortam teus soluços de pranto.
Desperta,
antes que tua garganta se emudeça.
Tua
estância está só
e
teu rancho tão somente
postado
no abandono
Teus
alambrados ruiram
e
teus moirões perderam
seus
cernes centenários.
Tuas
cancelas e porteiras trancaram-se
e
tu te perdeste nessa
paisagem
abstrata e milenar da pampa.
E
em todas as sesmarias,
que
eram tuas,
o
mugido do boi compõe
cânticos
de solidão.
Deixaste
teu galpão esquecido
e
suas paredes negras cochilam
com
tanto pesar e silêncio.
Ah!
Esse silêncio...
Que contém tuas horas vazias,
contém
tuas amarguras
e
teus encantos pela terra.
essa
herança de charruas e tempos.
E,
hoje campeiro,
homem
de tantas labutas infatigáveis,
postaste-te
num corredor estreito e comprido
tal
e qual teus sonhos e sofrimentos.
Se
te sentes só, de que adiantou
tanto
esforço de braços e mão?
Restaram-te
os mesmos trapos,
as
mesmas mãos coxilhadas,
e o
mesmo peso dos arados.
Quase
nada te sobrou, campeiro.
Sabes
que hoje tens apenas
teu
cantito pobre
e
tuas saudades remoçadas.
Mas
ainda é soberano de teus limites.
Por
mais que tudo mude,
tu
não vais te mudar.
Tu
sabes que teus avós
te
legaram esse chão e, mais ainda,
sabes
que teus herdeiros
sempre
defenderão teus ideais.
Então,
sem que tu percebas,
verás
que tua posse é o teu lugar
e
dessa terra gaúcha
ainda
és o dono.