ÚLTIMA GINETEADA
João Pantaleão
Nasceu envolto aos pelegos
Num rancho de pau a pique
Cria do preto Manique
Gaúcho por excelência,
Que no passar da existência
Somava no peito nobre,
A sua herança de pobre
O puro amor à querência.
Naquele ranchito
guasca
Janguta ficou vivendo,
Com o tempo foi aprendendo
O que a vida nos ensina,
Suas lidas, às Campinas
Escola rude de outros
Que de tanto domar potros
Morreram arrancando crinas.
Montado no pingo amigo
Tropeando as tardes de
outono,
Fazia crer ao seu dono,
Ser mais alguém no futuro,
Canelas finas, lombo escuro
Em suas mãos, rudes calos
Representavam os cavalos
Que domava em pelo puro.
Os calos de suas mãos
Marcas deixadas por crinas,
Repetindo nas Campinas
As gineteadas
do pai
Sobre corcovos, lá, se vai
Agarradito no potro,
Descer dum, montar em outro
É o prazer que lhe distrai.
Ao completar certa idade
Eis que chagara o momento,
De alistar-se a um regimento
Da velha cavalaria,
Num trem de carga partia
Tomando rumo a Alegrete,
Na bagagem de ginete,
Aperos de montaria.
Após o seu compromisso
Voltou de novo à querência,
Continuando na existência
Dos costumes de outrora,
Gineteando campo a fora
Manchando com sangue as
rosetas
Que vertia das paletas
Nas quais riscavam esporas.
A sina do guasca é rude
Mui bem sabia o Janguta,
Pois quem nasceu para luta
Na peleia
há de morrer,
E a luta daquele ser
Era mesquinha e renhida,
Ginetear a própria vida
Como meio de viver.
Rodeios e mais rodeios
Janguta sempre campeão
Era o gosto do patrão
Aquele rude “moreno”
Para os outros um “veneno”
E p’ras
chinas nem se fala
Ligeiro como uma baia
Mas tinha um olhar sereno.
Ao chegar na
baliza
Já com o potro torneado,
Seu coração mal domado,
Corcoveava diferente
Porque viu ali presente
A Rosinha, china linda,
Filha da Florisminda
Sangue do negro Vicente.
Aquele olhar caborteiro
Maneou o pobre Janguta,
Por mais valente e batuta
Não agüentou o tirão...
Mostrando a fibra de peão
Se
aproximou da morena:
O teu olhar me condena
Te entrego meu coração!
Vamos, monte logo bela china!
Seja lá o que Deus “quizé”,
Pau a pique, santa fé
Será assim o teu ranchito,
Para ficar mais bonita
Casamos na capelinha,
Nossa Senhora, a madrinha
Padrinho São Benedito.
Após três primaveras
Naquele humilde ranchito
Nascia um lindo piazito
Bem xucrinho, redomão,
O tal Janguta,
bobão...
Alegre que nem viúva de rico,
Saiu a
procura de um bico
O’ra o seu piá
chorão.
Quando voltava ao rancho
Ouviu grito em desespero,
Janguta! Venha ligeiro
Que nosso filho adoeceu.
O podre pai se benzeu;
Peço a ti São Benedito!
Deixar bom meu piazito
Riqueza que Deus me deu.
Lá se foi desatinado
Na mais rude ligeireza,
Conseguir na redondeza
Alguns minguados tostões.
Mas, os seus velhos patrões,
Cruzaram os laços nos tentos
Lhe
deixando aos quatro ventos,
Sem as mínimas compaixões.
O negro que era de todos,
Ficou sem par p’ra dança;
Mas, a santa esperança,
Não lhe fez perder o juízo
E na bodega do Narciso
Oferece sua faca
As esporas, a guaiaca,
Me comprem que preciso.
Então falaram ao Janguta!
de um rodeio mui bagual,
De fama Internacional
Nas bandas da Vacaria
Terra mui guapa e potria,
Que hospeda muita gente,
Ministros e Presidente,
Gineteadas todo o dia.
Lá se foi o pobre Janguta
Tomar parte no rodeio,
Inscreveu-se, foi a sorteio,
Taura forte não desanima
E para esquentar o clima
Lhe deram assim de vez
A tal égua trinta e três
Que ninguém parava em cima.
Sentiu, por necessidade,
Ir genetear
outra vez
Fazer o que o sempre fez,
Para ganhar o seu pão;
Sabia que era campeão,
Receava que um dia
A lida lhe oferecia,
Dum puro sangue, traição.
A égua saiu relinchando
Corcoveando campo afora,
Janguta, cravando a espora
Naquele animal feroz
Gritando com pouca voz!
Cercado pela peonada
Em heróica disparada,
Hoje perde um de nós!
Com os braços já cansados,
Enfraquecido ao rigor
Sentia no peito a dor
Se caso fosse perder,
Pois preferia morrer,
Do que chegar a esse ponto
Com os corcovos ficou tonto
Sem saber o que fazer.
Em poucos segundos viu,
Seu piazito,
sua china
Como imagem divina
No gramado
projetada.
A trinta e três aporreada
Jogava seu prêmio ao léu
Viu a cor azul do céu
Transformar-se em colorada.
Esta é a vida da campanha,
Em que a luta nada vale
Chinóca portando “chale”
Chorando em roda ao Janguta,
Quando esta em heróica luta
Declarou desesperado:
E atendam meu piá
Que remédio não desfruta.
Salve meu filho Douto,
Salve-o São Benedito,
O meu lindo piazito,
Tão criança ainda é;
Com bondade e muita fé
Possa se criar viçoso,
Que tenha um nome garboso
Nesta Terra de Sepé.
Esta foi a gineteada
Nas plagas da Vacaria
No meio da alegria
Da festança Nacional;
Passou um índio bagual
Que deixou o nome gravado,
Pelo Rio Grande lembrado
Em versos já foi contado,
JANGUTA CONTINENTAL...