CHICO CARIJÓ

João Pantaleão Gonçalves Leite

 

Negro Chico carijó,

Rude  escravo de fazenda,

Sua miséria era tremenda,

Seu perfume pura arruda.

Não tinha se quer ajuda

A não ser da negra Amália

Que todos chamavam gralha

Por ser muito linguaruda.

 

Seu patrão era o Epitácio,

De sobrenome  Guerreiro,

Grande e forte fazendeiro,

Da redondeza, o  tal;

Só sabia fazer  mal

No se reinado de rico;

Maltratava o pobre Chico,

Talvez pior que animal.

 

Vem cá negro desgraçado,

Não vê que estou te chamando!

Deixes de ficar pensando

Negro triste, moribundo,

Venha antes que eu tundo

Porque bem sei quem tu és

Venha lavar os meus pés,

Ande... ande logo, vagabundo.

 

Vamos, negro, deixes de ser pateta,

Vá já buscar a gamela

Não é essa negro! É aquela,

Não te faz  de gata cega

Será que tu não enxergas?

Traga e não me aborreça

Se não, te parto a cabeça

E o diabo que te carrega.

 

O negro trouxe a gamela,

Logo em seguida a água

Escondendo sua mágoa

Sem qualquer demonstração:

Voltando disse ao patrão

Em gestos muito educados,

Os seus pés  estão lavados

Já lhe trago o chimarrão.

 

Nada disso negro atoa,

O que quero é um palheiro,

Vá lá dentro bem ligeiro

E diga p’ra negra gralha,

Que me mande uma palha

Da dispensa do consumo,

Me traga também o fumo

Junto com ele a navalha.

 

 

 

 

O negro ficou sentido

Olhando para o patrão,

O que espera seu tição?

Ande logo vagabundo,

Me volta num segundo,

Anda desgraçado!... anda.

Antes de entrar na varanda

Limpe bem teus pés imundos.

 

O negro trouxe a navalha,

Palpando o fio com a mão,

Chegando disse ao patrão:

Chegou a hora do desforro,

Hoje te mato, ou morro,

P’ra mim é indiferente,

Prefiro morrer como gente

Do que viver como cachorro.

 

Investe em gestos furiosos

Contra o fazendeiro rico,

Que gritava: pare Chico.

Ouça aqui o teu patrão

Não faça essa judiação

P’ra mim, que sou teu amigo

Se acaso faltei contigo

De joelhos peço perdão.

 

Gritando respondeu o negro:

Não te mato seu cretino,

Pois nunca fui assassino,

Não serei isto, jamais

Vou dizer ainda mais,

Deus quando nos pôs no mondo,

Disse com amor profundo,

Os humanos são iguais.

 

Agora me pedes perdão

Porque fui o mais forte,

Se hoje escapas da morte

Agradeça ao pai soberano,

Estás perdoado, seu tirano!

Levante, erga a cabeça,

Porém nunca te esqueças,

Que negro também é humano.