A SERVENTIA DA FACA
João Pantaleão G Leite
Rebenqueando o pensamento
Nos bretes
da inspiração,
Vou dar minha explicação
Pra muita gente confusa,
Porque... o Gaúcho usa
Uma faca na cintura;
Não é machismo, nem bravura.,
Nem afronta ou exibimento
Da gaúcha tradição,
Utilidade, precisão
Na dura lida campeira
E também grande parceira
Nas tarefas de galpão.
Nos meus tempos de piá,
Entre tantas outras mil,
Fiz de um arco de barril,
Minha
primeira faquinha,
Folha curta sem bainha
Com cabinho de taquara;
Com ela, me sentia um Tapejara,
O Senhor do meu caminho!
Com ela risquei fucinho
De bicho sem serventia
Que fazia estripulias
Na minha tropa de brinquedo
Ali debaixo do arvoredo
Onde eu brincava sozinho!
Fui crescendo meio arteiro,
Mas de conduta na linha,
Manuseando minha
faquinha
Sem pensamento carrasco,
Com ela, eu limpava os “casco”
Do meu peticinho
oveiro;
Pro meu bodoque certeiro
Quanta
forquilha aparei,
Quanto
caniço aprontei
Pras tardes de pescaria,
Quanto melão, melancia
Estripei com essa faquinha
Que sempre fora rainha
Da minha infância de rei.
Um dia boleei a perna
Para minha maioridade
Ostentando a hombridade
Da juventude que eu tinha,
Troquei a
velha faquinha
Que me valia um tesouro,
Por outra faca de estouro
Bem a gosto do xirú!
Bainha de
couro cru
Dum touro zebu vermelho,
A lâmina,... Um espelho!
Cabo de osso, fio parelho
Que eu usei por vez primeira,
Num galho de cerejeira
Pra fazer cabo de relho.
Essa faca me acompanha
Por lugar que eu ande
É relíquia do Rio Grande,
Uma estima de valia,
Amiga que me auxilia
Nas coisas do meu consumo,
Sova palha, pica fumo
E apronta meu palheiro
Corta charque pro carreteiro
E mil churrasco
`a contento,
Corta couro, tira tentos
Pra feitio do meu laço
E com ela ainda faço
Meu lazer de acampamento.
Essa minha faca parceira
Serve até pra benzedura,
Pois até curar ela cura
Alguns males no campeiro,
Se for o tal de cobreiro
Doença... que
na pele ataca,
Se benze em cruz com fio da faca
Rezando três
“Ave Maria”
Garanto que noutro dia
A ferida fica curada;
Essa faca pra peonada,
Serve como um bisturi de fé,
Pra arrancar bicho de pé
E alguma unha encravada.
Certa feita uma cruzeira
Me picou num matagal,
Quando eu vi que era fatal
A mordida dessa cobra,
Tive coragem de sobra
E uma consciência certeira,
- puxei da faca parceira
e sangrei a perna na hora!
O veneno espirrou fora
Junto com o sangue do corte,
Tive sorte, muita sorte,
Não é conversa babaca...
Se não fosse a minha faca
Tinha perdido pra morte!
Por isso não me separo
Da faca que me salvou,
Que o tempo não enferrujou
E jamais tirou–lhe
o fio
Essa minha faca de brio
Nunca feriu, judiou de
alguém;
Sou gaúcho
, afirmo bem
Na verdade que me puxa,
Sem essa faca gaúcha
A minha raça... A La pucha
não tinha a força que tem!
E quando a morte traiçoeira
Chegar rondando a porteira
No rumo da sepultura,
Nessa hora derradeira...
Eu peço à
Deus nas alturas,
Na sua bondade tão pura
Eu sei que irá me entender,
Me
permitindo morrer
Com essa faca na cintura!
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Poema 2ºLugar do concurso
literário do ENART/2004 – Editado pelo MTG na coletânea do 51º Congresso
Tradicionalista/2005