Amante Infeliz

João Pantaleão G. Leite

 

Cachaça, água maldita,

Malcriada e atrevida:

China falsa, intrometida,

Traiçoeira e mesquinha.

Por tua causa, cachaça,

Hoje estou numa desgraça,

E perdi tudo o que tinha.

 

Com esse teu beijo quente

Tu conquista todo mundo,

Fez de mim um vagabundo,

Pobre sofredor errante.

Apenas por um desejo,

De querer provar teu beijo,

Fiz de mim o teu amante.

 

Eu tive uma linda china

E um rancho lá na coxilha,

Tive também uma filha,

Que esperava-me com alegria.

A família não desconfiava,

Em segredo eu te amava,

E teu veneno bebia.

 

Com o tempo descobriu

Que tu eras minha amante,

Passei a ser maltratante,

Com teu perfume na boca.

A filha: já não me espera,

Meu rancho virou tapera,

E minha china ficou louca.

 

Hoje sou um desgraçado,

Vivo no mundo rolando;

Fico a todos perguntando

Onde posso te encontrar,

Mas de repente te encontro,

Nos braços de outro tonto,

Que acabas de conquistar.

 

Tu é china sem rancho,

Que só vive nos bolichos,

Faz dos seres, pobres bichos,

A brigar, perder o sério

E quando termina em morte,

Apontas com o de forte,

O caminho do cemitério.

 

Vou pelo mesmo caminho

Morrendo de pouco a pouco,

Comecei ficando louco

Como pobre criatura.

Gostei do teu beijo amargo,

Por vingança só te largo,

Quando eu for p’ra sepultura.