LIRA DE CAMPO E RIO
Juarez Machado de Farias e João Marim
A paisagem que eu carrego
na garupa da lembrança
é uma sanguinha cantora,
olhando quem vai na estrada...
o milharal empendoado
que vai chamar caturritas...
e uma carroça esperando
rever os mesmos caminhos...
Uma guampa corticeira
rondando o mesmo banhado,
erguendo a flor do cabelo
feito um poente sinuelo
que o punhal da noite aflora
em um dia sangrado...
A paisagem que eu carrego
é um rosto de curunilha
que a gente, na sombra dela,
ficava mosseando trama
pra renovar um arame
e segurar estes campos
alados de primavera!...
Uma talha sempre cheia
no canto azul da varanda,
cacimba dentro de casa!...
Prolongamento daquela
destampada, aberta às rãs,
se acordando nas manhãs
pra chiar uma chaleita,
revigorar nossas vidas
costeiras do Camaquã.
A taleira
inda vigia
a paisagem que se acampa
ao redor da casa branca
onde morava a Dindinha...
não se aborrece com nada,
só quando escuta um machado
que canta no picador,
vendo lenha pra cozinha.
O galpão velho quinchado,
que é vizinho do paiol,
se acorda com a galinhama,
bem na cancela do sol.
O milho dorme na pilha,
pra debulhar-se com a mão,
estrelando no terreiro,
no diálogo matreiro
da festa da criação.
Mais um dia que desponta!...
Outra vez, o caponete
vem orquestrar estes campos
e os dedos do minuano
encontram harpa terrunha
nas cordas do santa-fé.
Hay um perfume de lenha
no prelúdio do café.
-Como não ser feliz hoje?
O mate, amargo de apojo,
é miniatura de várzea
em seu corpito de sanga
sempre germina a esperança
de caminharmos sem trégua.
E no poente entristecido,
encontrar algum sorriso
que nos acenda o carinho
renovado a cada léguas.
A paisagem que eu carrego
na garupa da lembrança
guarda o rancho ensimesmado
no rincão da minha infância.
Imagens que eu não vendi,
não troco - nem vou perdê-las!
Porque no largo reponte
são alegrias sinuelas.
Dirão: "é
pura saudade
de um tempo que já morreu"
Respondo: "não,
é meu berço,
começo de quem cresceu
e busca estrelas passadas
pras futuras alvoradas
e noites de vento e breu."
Respondo: "é
o lindo lirismo
dos avessos da existência,
é uma gaita galponeira
soletrando novas notas.
Não são lembranças remotas,
nem saudosismo alienado!
São raízes de um passado
que desenhou estas botas
e fez tapeado o chapéu
pra que meus olhos escuros
enxergassem os futuros
feito luzeiros no céu"