DEPOIS
DA ÚLTIMA PORTEIRA
João
Carlos Fontoura
As
lembranças são como as estradas,
estancam
as poeiras,
mas
não apagam-se os rastros,
crescem
os pastos,
dobram-se
os alambrados, e continuam...
mesmo
assim sendo sempre
um
caminho na memória dos andejos.
E
nas dobras da cerca,
os
cantos com peala égua
são
constantes em nossas andanças...
Hay
que ser ligeiro e bom de rédeas
o
flete da nossa encilha,
pois
escassas são as tropilhas
pra
quem doma a liberdade.
Nessa
jornada,
onde
as estradas vivem desertas
como
velhas taperas,
que
rondam os campos do infinito,
tristes
e vazias, tal e qual
a
alma de tantos.
Por
isso, tento compreender os rumos,
sem
me perder nas lonjuras,
e
assim talvez um dia eu encontre
os
parceiros andantes que como eu,
fizeram
o mapa da vida...
rastreando
história e distância.
Mas
sinto que a alma se adelgaça
quando
o vazio atropela,
e a
mordaça da esperança
puxa
as cordas dos sonhos,
nos
alambrados da existência...
Reflete
no poço da sanga
que
a seca foi atorando,
os
olhos cansados de um boi magro
que
bebe água suja, num mês de janeiro,
que
tem os dias cada vez mais compridos...
Até
o sinamomo, do oitão do rancho,
mesmo
de folhas novas,
já
tem a sombra mais rala...
O
rangido da carreta na estrada,
a
muito calou seu canto...
Na
porteira de dois moirões altos
em
frente a estância,
uma
casa de João-de-barro
ainda
mantém-se, mesmo sem o dono.
Do
velho João dos galpões,
nem
cavalos, nem arreios,
talvez
um peleguito velho
seja
o único que lhe acompanha,
nessas
jornadas, no vazio dessas calçadas,
onde
a fome lhe faz dormir
bem
antes do sono!...
Como
pode os caminhos
ficarem
tão turvos, pra quem teve
os
olhos tão claros,
alma
de lua e sol no coração...
Mas
restam no corredor da esperança,
sinais
quase apagados
que
ainda nos levam até as aguadas.
Campeiros
e campeadores
desemalaram
poncho, mas que não dormiram no pouso.
Na
ânsia de engolir distâncias,
amanheceram
no povo e logo a cidade
lhes
foi comprando cavalos e arreios.
E
só restaram os lobunos,
aporredos
fletes dessa amarga tropilha
chamada
ambição!
Os
sóis outonais perderam o brilho,
que
acalentava as lagarteadas
dos
sem ponchos.
E
nas esquinas se encontram
os
que eram alheios as calçadas,
a
mendigarem o pão que saiu do trigo
semeado
por suas próprias mãos!...
O
arado que emborquilhou o campo,
tornou-se
ruvinhoso.
O
homem que plantou e semeou...
Tornou-se
terra, onde o arado vida
de
ponteira afiada,
vem
rasgando a carne,
deixando
vergas num corpo velho
que
aos poucos vai se dobrando ao solo,
sem
descobrir o porque e a razão
o
semeador vira semente, do terráqueo ao terreno,
agora
quem planta é vida,
nós
somos apenas germens desse fruto ilusão.
Mesmo
assim, no rio dos sonhos,
ainda
se encontram os barqueiros da verdade,
esses,
que trazem a doçura do mel nas palavras,
e
as prosas brotam como água de vertente,
que
ao deslizar por entre as pedras
vai
ganhando corpo de sanga,
pra
que os sequiosos do amor
se
debrucem em suas barrancas,
a
beberem a seiva da terra,
mãe
de nós, ventre da paz!...
Trago
assim o último rangido
da
porteira que dava pra o corredor,
o
retrato da estância
nas
paredes da ausência...
O
mouro farejando o pasto,
como
a desconhecer os caminhos...
Então
fui me distanciando...
E
mesmo dentro de mim,
a
querência ficou distante
e
me perdeu de vista...
Mas
não saiu dos olhos da minha alma.
E
talvez seja por isso,
que
na hora da saudade,
quando
as lembranças falam por nós,
no
silêncio das madrugadas...
A
noite chora gotas de orvalho,
na
cicatriz das estradas!...