DAS PAISAGENS QUE TRAGO

João Carlos Fontoura


A forte garoa guasqueada
que vinha do sul, se aninhava
nas quinchas do galpão tosco.

O zaino negro tapado,
descansava uma pata como a prenunciar
uma viagem de longos caminhos.
Poncho desemalado, fiambre na mala,
fumo e palha buena, um chapéu “Manguera”,
e o olhar de quem nunca saiu antes.

Foi assim que numa tarde de setembro
deixei o rancho e o rincão onde nasci.

Mas não somente isso, muito mais ficou por ali,
uma vida de muitos anos e meu sonho de guri.
Dos meus fletes de taquara que fiz as primeiras carreiras,
depois os potros que domei de rédeas,
botei freio e entreguei pro dono.

E o mundo pedia vaza,
meus olhos tinham ganas de engolir distâncias!
Então, fui cadenciando no guizo das esporas
uma milongasurena” – daquelas à moda “Larrealde
- templada a sóis de janeiro e a aguaceiros de agosto,
dessas que volta e meia, vem pastar no para-peito
das lembranças de quem traz o coração cansado,
de tanto falar com a solidão!...

Depois o perfume da Maria-mol,
foi adoçando meu andejar.

E o que antes era de campo e mangueira,
se embretara no corredor estreito e
comprido da esperança, onde poucos sabem o fim.
Lá-maula”, só quem sente pode falar
da dor que os cravos da saudade provocam,
quando a vida cerra esporas e nos faz
apurar o trote por caminhos desconhecidos.

Então, no bebedouro dos meus sonhos
colhi sementes de paz e amor,
depois plantei meus versos,
que hão de se fazer cantigas
nas bocas de tantas e tantas noites.

Pois um dia, ao trocar de ponta
com um sobre-lombo derradeiro
daqueles tempos sesmeros,
meus sonhos e ilusões renascerão nos galpões,
no balbuciar das cantigas,

nas goelas enrouquecidas do crepitar dos fogões.

Chomico”, vida baguala,
deixei pra traz as estradas,
peregrino me fiz andejo,
e hoje tenho apenas reminiscências,
pois tudo está aquém de meus horizontes.

E que buscar nessas andanças?
O pingo que encilho tem outra marca,
mudou o trote, são outros os relinchos que ouço agora.
Quem sabe então, voltar!
Ah, se eu pudesse agora voltar, voltar e voltar,
chegar na querência e dar um “ô de casa”
e ouvir um “adelante Hermano!”
Que lindo seria novamente as lides de apartes e domas,
e dos pastos do chão arrancar
versos xucros para as cantigas gavionas.

Que pena!
É tarde demais.
Agora parceiros, somente agora sei
o que passaram os que iguais a mim,
um dia deixaram o pago, morreram!
Talvez assim como estou morrendo:
de dia bebo lonjuras, de noite mastigo lembranças
que são cada vez mais amargas.

E de que me adianta agora
lembrar o que fui e o que passei!...
Nada mais trará de volta o que deixei
naquela tarde de setembro.
Parece um castigo, ainda trago da última
olhada pro rancho, uma panela no gancho da trempe,
e um cusco ovelheiro lambendo minhas botas
como a pedir que ficasse.

Foi assim que um dia deixei o campo,
o rancho da estância e o rincão onde nasci.

Talvez seja por isso, que quando abraço a guitarra
- amante dos pajadores, renascem sonhos antigos,
de antigos amores;
No bojo do coração, vou sorvendo em goles
longos e amargos essa infusão da saudade.
E quando as imagens, que o tempo bordou
na tela dos olhos do pago, refletem n’alma,
eu viro a erva do pensamento
pra que não morram comigo
essas paisagens que trago.