Quando
a tarde adormece nos braços da noite
e
as vacas mansas vêm berrar na frente da estância,
no
peito de uma mulher solita
berra
uma tropa de saudades...
No
rosto que fora tão lindo quando jovem,
o tempo,
lavrador a esmo,
vem
abrindo sulcos
como
arado em terra bruta.
E
as mãos macias,
que
sovaram pão e lavaram roupas,
o
cabo do machado e da enxada,
transformaram
em ásperas garras
para
a lutado dia a dia
no
rancho onde está só.
O
marido...
Os
filhos...
Partiram
para a luta,
sem
lanças nem garruchas,
cativados
por sonhos ilusórios
de
outras cabeças vãs,
perderam-se
nos rumos
de
um corredor sem alambrados
de
uma cidade fria...
E
assim, pouco a pouco foram deixando o campo.
Todos
andaram no tempo
e
pararam na vida...
e
as almas que constituíam impérios,
que
desmoronaram
ao
terem deixado o imenso e verde dos campos,
para
viver num mato de concreto
dessas
cidades com cidadelas
e
bairros de formigueiros humanos.
Mas
lá no campo,
a
cada final de tarde,
da
janela do rancho,
uma
mulher solita
dói-se
ao lembrar.
Que
nessa hora sempre os campeiros estavam de volta,
pra
mais uma mateada de fim de tarde,
pois
no galpão ainda permanecem
as
vozes rudes,
contando
de lidas e desafios de peleia
daquelas
charlas campeiras.
E
no mesmo instante
um
tahã deixa o lagoão da frente
num
vôo triste,
e
suas asas parecem dois remos
de
um bote negro,
num
oceano sem rumo...
O
horizonte dourado do por do sol
deixa
a pampa mais linda...
e
aos poucos
as
galinhas se recolhem para o puleiro,
os
cachorros cavocam
na
raiz dos cinamomos
ajeitando
a cama para a noite fria.
E a
negra que é Maria,
junta
graveto, faz fogo,
e
ali mateia solita.
Na
rude solidão do rancho,
nas
loucas prosas,
pausadas
por cantos de grilos,
um
gato brasino dorme em seu colo
como
se fosse um filho,
talvez,
o
que partiu.
E o
negro que fora
braço
de aço pra lida,
deixou
a voz num berro de touro
que
estremece a noite grande,
rondada
pelas lembranças
de
uma mulher solita.
E
são assim todas as noites
no
santo rancho de Maria.
Aos
poucos as ilusões vão se gastando
e a
cama, cada vez mais fria...
E
quando a barra do dia
desponta
numa nova aurora
já
a encontra de foguito aceso,
pois
é ela quem tira o leite,
raciona
os bichos
e
varre o pátio.
Então
durante o dia,
nas
cinzas das lembranças,
brotam
brasas de esperanças
de
que os filhos e o marido voltem
e
quando os quero-queros gritam
corre
os olhos da porteira da frente
mas
não é nada.
A
estrada continua deserta
e a
porteira fechada.
Trancam-se
as retinas
nos
olhos da mulher
que
é mãe e esposa
e
aos poucos morre solita.
E
assim outro dia vai
e
outra noite vem...
E
por horas se pergunta:
O
meu marido e meus filhos,
por
onde andarão?
Ou
quem serão?
Essa
é a sina das mães
que
respeitam maridos e filhos.
Mas
que também amam os campos!
De
já hoje os sonhos
são
tentos de laço
que
ninguém mais trança,
pois
no fundo da invernada
falta
o gado e sobra o pasto,
na alma
sobra saudades
e
falta esperança.
Nos
alambrados
curvam-se
os moirões
e a
poeira do corredor
adormece
nas juntas das cancelas
que
continuam trancadas.
Na
sanga, que a estia da ausência secou,
permanecem
em suas barrancas
apenas
um biguá, que quando abre as asas,
parece
um velho angico solito na coxilha,
querendo
abraçar o mundo.
E
nesse rancho,
que
fora de lida e vida,
na
moldura do tempo
está,
como
uma velha arrueira,
a
velha negra de vigia
nesta
paisagem
que
recebeu apenas um nome:
Tapera
E
ao vêla
nesse
despovoado infinito,
uma
lágrima ponteia o arrependimento.
mas
agora
já
é tarde demais para chorar.
Mas
ainda há tempo de se perguntar
como
e quando?
Os
homens hão de saber
que
a verdadeira razão de viver
não
está no partir
e
sim
no
ficar.