NEGRINHO DO PASTOREIO

João Batista de Oliveira Gomes

 

Naquele tempo que as estâncias

Eram ilhas culturais,

Pra cercar os animais

Sem taipas nem alambrados,

Só existiam os criados

Lidando sem ver dinheiro,

Como se eles pertencessem

Aqueles grandes estancieiros.

 

Houve um mau estrangeiro

No lugar era mandão,

Com um baio de estimação

Por escravo um negrinho,

Que era no mundo sozinho

Afilhados da Senhora,

Que protegia o piá

Nas rondas de campo afora.

 

Negrindo do Pastoreio

Do tempo da escravidão,

Que cevava o chimarrão

Na madrugada bem fria,

No pingo baio saía

Galopando nas coxilhas,

Passando fome e frio

Mas pastoreando a tropilha.

 

O cruel filho do estancieiro

Que já herdara maldade,

Fazia sua crueldade

Só pra ver o negro judiado,

E o estancieiro malvado

Co'o negrito pelo braço,

Mandava trazer o relho

E cortava o negrinho a laço.

 

Isto é para que tu aprendas

A respeitar teu senhor,

E o piá se torcendo de dor

Ouviu do amo em risada,

Eu estou de carreira atada

E muito dinheiro apostado,

Se tu perderes negrinho

Vais apanhar amarrado.

 

E quando deram a partida

A corrida foi parelha,

Saíram trocando orelha

O negrinho tocando o baio,

Mas o moro era um raio

Foi que ganhou de focinho,

O estancieiro por maldade

-Tu vais me pagar, negrinho.

 

E de volta na estância

Logo amarrou o negrinho,

E bateu no coitadinho

E depois foi ordenado:

-Passa a noite vigiando

A tropilha que está reunida,

E se eu te pegar novamente

Pode custar-te a vida.

 

Durante a noite o negrinho

Nuzito, corpo surrado

Com rumores assustado

Só na madrinha pensava,

Com sono não aguentava

E nem forças tinha mais,

Quando o filho do estancieiro

Espantou os animais.

 

E foi contar para o pai

O que tinha acontecido,

Animalada fugido

Vou surrar este negrinho!

Te some do meu caminho

E o escravo sai na capela,

Pra enfrentar a noite escura

Só leva um toco de vela.

 

Montou no baio e saiu

Pela imensa escuridão,

Com a vela acesa na mão

Todos pingos que caíam,

Eram luzes que surgiam

E o negrinho foi ligeiro,

Avistou os animais

Reuniu todos no potreiro.

 

E depois da busca que fez

A canseira não tem fim,

Encostou-se num cupim

Ponteou o sono primeiro,

E o filho do estancieiro

Trouxe mais judiaria,

A tropilha do potreiro

Saltou bem antes do dia.

 

Negrinho do pastoreio

Mais uma vez amarrado,

E com relho bem surrado

Até nem mais se mover,

Vindo o negrinho morrer

O furioso estancieiro,

Para maior malvadeza

Enterrou-o num formigueiro.

 

Noutro dia sua peonada

Foi camperear campo e coxilha

Mas nem rastro da tropilha

Passado um lote de dia,

Voltou pra ver se existia

Os restos no formigueiro,

E o que viu diante dos olhos

Apavorou o estancieiro.

 

De pé estava o negrinho

Junto o baio e a tropilha,

E ainda vê uma luz que brilha

Do negrinho era a madrinha,

A mesma santa que tinha

No oratório da capela,

Confuso e assustado

Ajoelhou-se diante dela.

 

O negrinho em silêncio

No baio tocou a tropilha,

Galopando nas coxilhas

Dando as costas ao maldoso,

Negrinho hoje é milagroso

Atende nossos pedidos,

Basta acender uma vela

Pra se achar o pedido.

 

Nos olhos do estancieiro

Gravou-se aquela estampa,

Negrinho cruzando o pampa

Lá entre as nuvens e a terra,

Sua tropilha encerra

A mesma que se perdeu,

Entre o clarão das estrelas

Na morte que Deus lhe deu.