MARCAS DE UM PASSADO
João Batista de Oliveira Gomes
Lá por mil oitocentos e
noventa e três
Em meio a Revolução...
Muita gente foi tombando, o
porquê ninguém savia.
Entre eles, inocentes,
Que na tentativa da fuga, iam
de encontro com a morte.
Outros acabavam caindo nas
mãos de um contrário,
E a prisão era certa.
No comando de uma força
Um índio maula e mui carrasco
Não dava trégua a ninguém.
Como um cão farejador,
preparou uma emboscada
Com seus homens camuflados
E armados até os dentes.
Na calada daquela madrugada
fria
Foram dezesseis, os homens
que eles prenderam.
Um piazote assustado fora pego de surpresa.
O comandante, cabra malvado,
tinha um ordenança
Como seu braço direito.
Apesar de seu parente, nem
sempre lhe obedecia.
As ordens
escutava, às vezes a contra gosto.
A ordem era amarrar os recém
aprisionados
Com uma corda forte.
Parece que já trazia
entranhado, o cheiro malvado da morte,
E o piazote inocente ainda
não entendia,
Porque a Revolução tirava
peão da estância,
Pra morrer por uma causa,
Que ele nem conhecia.
Mas de uma coisa sabia,
morreria degolado.
O comandante carrasco
Gritou com seu
ordenança.
"Antes
que morra de susto, degole essa criança,
Pra que
amanhã não seja mais um fugitivo covarde".
Sem dar um passo pra frente,
Respondeu o
ordenança "Este serviço eu não faço, pois é a Deus que pertence
Tirar vida
de inocente."
Enfrentando o comandante, já
com a voz embargada
"Vamos
pra um duelo de espada, e se eu
Perder pra ti, pra mim
termina a Revolta.
Tu podes me
degolar, mas não degola o guri".
Foi então que o índio
malvado, foi mudando de idéia
Mandou soltar o piazote.
"Tu és o responsável.
Durante a Revolução ele vai te acompanhar."
E desde então o guri
Foi tornando-se um caudilho.
Acompanhou toda a peleia.
Peleou sempre de pé firme
Ao lado do companheiro, amigo
e parceiro
Que aprendeu a gostar.
Um abraço de despedida, marcou o fim desta Revolta.
Foram um para cada lado
Seguindo rumos diferentes,
para o mundo ganhar.
Os anos foram passando, nunca
mais se encontraram.
O ordenança já bem velho, com seus cabelos tordilhos,
Não casou, não teve filhos
Foi o destino que quis.
No velho rio Uruguai, como
balseiro que era,
Ganhava alguns poucos réis
Que pra guardar não sobrava.
Foi num final de dia, que o
velhinho cansado
Olhando o sol, que por trás
do cerro lentamente descambava.
Não percebeu um gaúcho que
bem montado surgia,
Batendo na marca, pra chegar
antes da noite
E passar pro outro lado do
rio.
Cumprimentou o balseiro.
Teve logo a impressão que o
velho não era estranho.
Aquele rosto enrugado, tinha
marcas de um passado
Que os anos não apagavam.
O passado era o mesmo que ele
outrora viveu.
Hoje rico e poderoso, talvez foi sorte ou trabalho
O que fez dele um doutor.
Prometera a si mesmo, que
nunca mais lembraria
Daqueles anos passados.
Mas jamais imaginara
Que na travessia de um rio,
em alguns poucos minutos
Viveria tudo outra vez.
Com os olhos rasos d'água
Quase não enxergava aquela
mão enrugada
Que cobrava a travessia.
Do outro lado do rio, o velho
foi entendendo
O gaúcho, que puxava da
guaiaca tanto dinheiro
Que até ficou assustado.
Foi duzentos mil réis,
Que estendeu ao amigo.
A voz quase não saía, mas foi
o que pode-se ouvir
"Receba
esse dinheiro, que pra mim não fará falta
Ele não é recompensa e sei
que não paga uma vida.
Só quero que recebas de
presente.
É do piazote, filho inocente
Que o
senhor livrou da morte."