ENTREVEIRO NO FANDANGO
João Batista de Oliveira Gomes
Abre essa gaita, ó gaiteiro,
Num chorinho bem manheiro,
E me faz aqui um costado,
Vou contar a estória de um
baile,
Que eu fui sem ser convidado,
Fui solito sem parceiro
Pra ir a baile de carancho
Não arrumei companheiro.
Esse baile que eu falo
Onde entrei a moda galo
Ficava no Boqueirão,
Na casa de um índio velho
Chamado José Bastião
Onde eu costumava dançar,
E não sei porque
razão
Não quizeram me convidar.
Era um sábado de dezembro
Uma tarde linda eu me lembro
Até o sol já ia entrando,
Quando eu resolvi
E logo fui me arrumando,
Encilhei o pingo tostado
Pingo bueno
de verdade
Que eu mesmo tinha domado.
E quando cheguei no baile
O gaiteiro já deu o traile
E o baile vai começar,
Entrei direto na sala
Estava louco pra dançar,
Esqueci de tirar as esporas
E já ouvi alguém dizer
Tem bagunça sem demora.
Mas eu saí resolvido
Por isso fui prevenido
Que é o costume do gaúcho,
Um facãozito na cintura
E uma arma de cartucho,
Não que eu seja bagunceiro
Mas se me pisarem no pé
Já se forma o entreveiro.
Surge um velho carrancudo
Desses índios
melenudo
Que só o bigode dava um
gancho,
Já veio me ofendendo
Disse que era dono do rancho
E pensou de me assustar,
O baile é de convite
E carancho não vai dançar.
Mas lembrei que na chegada
Vi uma moça encostada
Morena muito bonita,
Com uma rosa no cabelo
E um vestido de chita
De prenda estava trajada,
Salvo se me enganei
Mas me prendeu uma olhada.
Eu pensei neste momento
"Desaforo eu não
agüento"
E já fiquei incomodado,
Ô gaiteiro, me toca um chote
Que eu vou dançar afigurado
Só pra ver o que vai dar,
E corri os olhos pra prenda
E ela veio me encontrar.
Saí dançando com a moça
Um rosto lindo como louça
Dei meia volta na sala,
A turma já
me pularam
Alguém me agarrou pelo pala
E já levou um
tapa nas ventas,
O cuera já desistiu
Nem usei minhas ferramentas.
Já veio o dono da casa
Mais quente do que uma brasa
Chegava a vir resmungando,
Encontrou o filho correndo
Por aqui já vou escapando,
E o senhor tome cuidado
Acho bom não se meter
Que não vai dar bom
resultado.
O velho não escutou
E de mim se aproximou
Como quem sabia brigar,
E eu só me defendendo
Pro velho não me cortar,
E sobre o meio do salão
Já toquei o facão nele
Que a orelha caiu no chão.
Daí a coisa enfeiou
O velho se ensangüentou
E já me encerraram num canto,
Faltava gente pra ver,
Eu me peguei com meu santo
Porque vi que eu ia perder,
Virgem Nossa Senhora
Onde eu vim me meter.
Pois lhe digo que me deu medo
Naquele tremendo enredo
Já me contava perdido,
Mas estou peleando sempre
Porque sou bem destorcido
E entendo desse assunto,
Mas por Deus do céu que senti
Um cheirinho de defunto.
Depois de tanto brigar
Vem a
prenda me ajudar
Pois também era valente,
Foi aquele Deus nos acuda
Ninguém parou na nossa
frente,
Já demos conta do recado
E a prenda, trouxe comigo
Na garupa do tostado.