TIO DOMINGOS
Jayme Caetano Braun
Fui conhecer Tio Domingos
Num comércio de carreiras
Golpeando as duas hileiras
De uma gaita Correntina.
Negro de canela fina
E aquele olhar de lampejo
Como o de tantos andejos
Escravos da mesma sina.
Irmão do Tio Anatácio,
Que morou no mesmo teto,
Tio Domingas, negro preto,
Foi comprado, inda guri,
E se criou, por ali,
Naquelas imediações.
Gauderiando entre os fogões
Do velho Itacurubi.
Já taludo foi vendido
E por cem reses de cria,
Pois o negro se vendia,
E comprava, a peso de ouro,
Marcado mesmo, no coro,
Conforme o tipo e a idade,
Num pago onde a liberdade
Foi sempre o maior tesouro.
Assim mesmo, como bicho,
Que vai trocando de dono
Se fez homem, com entono,
Negro quebra e gauchão,
Destorcido no facão
E um carrapato num lombo.
Num pialo,
era ouvir o tombo.
Quando calçava o garrão.
E foi mais um desses tantos
Que a sorte leva por diante,
No repecho
de um lançante
Forcejando a vida inteira,
Para o final da canseira,
Por estrada desparelha,
Só ter marcas nas orelhas
Deixadas pela regeira.
Mas veio a revolução,
Onde até negro tem vez,
Andou por Noventa e Três
E dizem que peliou lindo.
Chiru que lanceava rindo
Como quem dava um changuí
Se estraviando
em Carovi
Quando morreu Gomercindo.
E dizem que, dessa feita,
Disfarçado em provisório,
Incorporou-se o simplório
Às forças dos inimigos
E enfrentando mil perigos,
O negro de qualidade,
Até pôs em liberdade
Dois prisioneiros amigos.
Depois da luta acabada
Extravio-se na campanha,
Tropeando e bebendo canha
E alegre como um guri.
Mas causa andar por aí,
Sem parador
e sem guia
Por isso justou-se um dia
Na Estância Guapitangui.
E por lá, muito querido,
No galpão e na cozinha,
Foi branqueando a carapinha
Milionário de carinhos,
Pois ao longo dos caminhos
De uma existência reúna
Qualquer afeto é fortuna
Pra os que envelheceram
sozinhos.
Pediu antes de morrer
Que o enterrassem pilchado.
E botassem no costado
Uma meia de cachaça,
Para esquentar a carcaça
Na viagem pra um outro pago,
Pois gaúcho sem um trago
Achava a maior desgraça.
Negro velho, eu te bendigo,
Porque, além de domar potros,
Criastes os filhos dos outros
Como não criaste os teus.
E peço, ao dizer-te adeus
Numa prece de campanha,
Que nunca te falte canha
Na Estância Grande de Deus.