SÉCULO E MEIO DEPOIS...
Jayme Caetano Braun
Meu Brasil grande-
fogão,
de pátria e de nativismo,
na catedral do batismo,
da gaúcha tradição,
me perco na evocação
da história, enquanto mateio,
e a recordar memoreio,
bombiando as linhas
do mapa,
a heróica gesta farrapa
a mais de século e meio.
E me transformo em gaudério,
de lança e pé no estribo,
no ambiente primitivo,
do garrão do hemisfério,
pastor, soldado do império
que eu mal e mal conhecia,
meu país amanhecia,
o Brasil engatinhava
e somente me chamava,
se o perigo aparecia.
Sempre fui tratado assim,
ao longo de tantos anos,
pra pelear com castelhanos,
gêmeo do mesmo confim,
carnear pro mesmo festim,
da cobiçae da ganância
que uma mesma circunstância,
tornou, na plaina da história,
feitores da mesma glória,
sem destino, nem infância...
Tomo mais um mate e vejo
ou me vejo na fumaça,
quando centauro da raça,
eu era o gaúcho andejo,
no primeiro falquejo,
desta estirpe de condores,
maltrapilhos peleadores
que dos varzedos brotaram
e- a lo largo se encantaram
pelos panos tricolores.
Muito antes tinha sido
um marco de trajetória
na luta demarcatória
do cenário indefinido,
pastor, soldado, bandido,
da conquista do meu chão,
paleteando redomão,
quando a fronteira era o céu,
e o mundo, lança e sovéu,
china e gado chimarrão.
E foi dali que eu brotei,
e foi dali que brotaram,
os gaúchos que ficaram
sem lei, sem rumo nem rei,
sem dono, divisa ou lei
a não ser a da existência,
da força e sobrevivência,
o sol, o poncho e, no centro,
cada qual trazendo dentro,
a sua própria querência.
Que raça bárbara a nossa,
vejo- sempre que examino,
as origens do teatino
que o chimarrão não adoça,
nem compreendo que alguém possa,
analisando o gaudério,
imaginar um critério,
ou prisão de qualquer classe,
ou faça que o sujeitasse
como escravo de um Império.
Cada ano um novo estudo
da epopéia Farroupilha
e vai se alargando a trilha
do primário sem estudo,
libertário, antes de tudo,
e sentinela de ofício,
pelear tornou-se um
vício,
da existência aventureira
e ele traçara a fronteira,
do continente, patrício.
Semana santa de culto,
não ao decênio de guerra,
mas aos símbolos da terra
e aura de cada vulto
e há os que cometem o insulto,
de insuflar ressentimentos,
de adulterar sentimentos,
outros- não sei por que fúrias,
até de assacar injúrias
e transplantar monumentos.
Eu prossigo chimarreando
neste distante setembro
e sou gaúcho, relembro
e continuo penando,
e continuo pensando
que os picumãs- longos fiapos,
alvoroçando como trapos,
agarrados na cumieira,
representam a bandeira
dos meus anseios farrapos.
Olho o varzedo
nafrente,
vejo o palanque de cerno,
é o mesmo Rio Grande eterno
mas um tanto diferente,
-os homens do continente
que pelearam com tiranos,
que arrancaram meridianos,
que iluminaram centúrias,
sofreram as mesmas penúrias
misérias e desenganos.
O Brasil Federativo
de Souza Neto em Seival,
é cada vez mais central
mais padrasto e recessivo,
já não há o pé no estrivpo,
dos andarengos de Esparta,
a carta- raios que o parta,
quem determina é o poder,
o governo sabe ler,
mas não obedece a Carta.
Será que já enfraqueceu
a fibra continentina
e aquela estirpe brasina
em que mundo se meteu?
Será que o guasca morreu,
atrás de alguma faxina?
Será maldição de china,
olho grande, mau olhado?
Eu me paro embodocado:
-Gaúcho não se termina!