RELHO PRATEADO

Jayme Caetano Braun

 

No gancho dos meus recuerdos

Te vejo relho prateado

Traste gaúcho encapado

De lonca e de couro cru,

A papada de zebu

Que te serve de ponteira,

Bem como o fiel e a soiteira

Feitos de couro de lei

Me lembram que foste rei

Nos bochinchos da fronteira!

 

A soiteira, trança de oito,

Torcida perto do cabo

Em muito fandango brabo

Levou riscos de xerenga

E andou buscando pendenga

Nos entreveros de bala,

E até parece que fala

De tanta prenda querida

Que bombeou meio escondida

Por entre as franjas do pala!

 

Te evoco, relho trançado

No cruzador das coxilhas

Amanunciando as virilhas

Do redomão corcoveando

Sempre subindo e baixando

No mais chucro desapego

Sem perturbar o sossego

Daquele nobre paisano

Que foi guasca e soberano

Sobre um trono de pelego!

 

Entre os demais apetrechos

Rédeas, cabresto e buçal

Maneador, cincha e bocal

Dependurados num torno,

Recordas o sangue morno

Pingando da carne assada,

E essa cabeça prateada

Como uma melena branca

Já andou batendo na anca

De muita china aporreada!

 

Nos entreveros da dança

Na faca dependurado

Andaste relho prateado

Como pra um quero, no jeito,

Sempre olhado com respeito

Por muito taura manheiro

Que pagou vale ligeiro

Depois de ganha a parada

Para fugir da mirada

Do teu olhar caborteiro!

 

Andaste tirando baldas

No potro arisco de em pêlo

E acalmando no sinuelo

Muito turuno maleva,

E é por isso que tu levas

De cada lida um sinal,

Manotaços de bagual

Entre dentadas de cusco,

E algum aperto mais brusco

Inda hoje te assinala

No rasto de muita bala

Que te cruzou de chamusco!

 

São relíquias como tu,

Relho de cabo prateado

Que refugando o passado

E o sinuelo do presente,

Deixaram na cinza quente

Esse atavismo tão grande

Como fogo que se expande

Desde o confim de outras eras

Fazendo de cada cuera

Um pedaço do Rio Grande!

 

Entre o choro da cordeona

Sob a tolda das carretas

Nos bolichos e carpetas

Na carreirada e na farra

Estes pialos de cucharra

Tiros de laço e de bola

Emparceirado na viola

Nas noites de serenata

Viveste relho de prata

Sempre compadre a pachola!

 

Por isso quero te ver

Esse é um pedido que faço

Enfiado sempre no braço

Desse rio-grandense altivo

Em cujo vulto revivo

O chão lendário do pampa

Quando se formava a estampa

Do gaúcho primitivo!