Payada à Mário Quintana nos seus Oitenta Anos.

Jaime Caetano Braum

 Neste rancho, o payador

É sempre quem arremata

E que também se arrebata

Com carinho e com amor,

No campechano calor

Do velho fogão jesuíta,

Isso porque ele acredita

Na sua filosofia,

De que a vida com poesia

Fica muito mais bonita!

 

Trago no sangue a violência

De charruas e minuanos,

Que andaram trezentos anos

Domando nossa querência,

Mas, nem mesmo essa tendência

E a ânsia de liberdade,

Pode ofuscar a verdade

De que esse mundo perece,

Porque insiste e permanece

Sem cultuar fraternidade!

 

Entre os bem-aventurados

Dos quais fala o evangelho,

Eu vejo no mundo velho

Os poetas predestinados,

Eles que foram tocados

Pela graça soberana,

Mas a verdade pampeana

Desta minh’alma irrequieta,

É que poeta nasce poeta

E poeta é o Mário Quintana!

 

Seria poeta na lua

Netuno- Saturno ou Marte,

Ele é poeta em qualquer parte,

No campo, cidade ou rua

Mas a culpa não é sua,

Porém das musas diletas,

Que fazem reuniões secretas

No meio das noites calmas,

E gravam marcas nas almas

Daqueles que vão ser poetas,

 

Não existem dois Quintanas

No sistema planetário,

Existe somente um Mário

Nas geografias humanas,

E pôr entre as venezianas

Entra o sol na sua janela,

E sua alma é uma gamela

Na soledade serena,

Que parece tão pequena,

Mas cabe o céu dentro dela!

Ao ler seus quintanares

De feiticeiro aprendiz,

O payador de São Luiz

Sentiu eflúvio nos ares,

E misticismo de avatares

Encantos e bruxarias,

E ao ler as feitiçarias

Viu que o poeta feiticeiro,

Ele mesmo é um prisioneiro

 

Das sua próprias poesias!

Cheguei a concha da orelha

A concha do caracol,

E escutei em sibemol

Um som que minh’alma espelha,

Depois minh’alma se ajoelha

Pois entre as vozes havia,

Uma que eu não compreendia

E que afinal compreendi,

E ao compreender- refleti

Que era minha voz

Que eu ouvia!

 

E as cousas que perguntava,

E as cousas que ela dizia,

E que ninguém respondia,

Porque o fôlego faltava

Depois eu me conformava,

Porque o poeta tem mil vidas

Vidas de vozes perdidas

Da gente que vira as costas,

Pra não ouvir as respostas

Que nunca são respondidas!

 

No jogo do tudo ou nada

Em que o homem sempre insiste,

A vida é chama que resiste,

Mas pode ser apagada,

Vai de parada em parada

Para chegar até o centro,

Da gente- então me concentro,

E a acreditar me disponho,

Que se a vida é apenas sonho,

Sonhar é acordar pra dentro!

 

O auto retrato que faço

Guiado pelo instinto

Quando de nuvens me pinto,

Passo a passo e traço a traço,

Não vai criar-me embaraço,

E a ti não cria tampouco

Pois, se o mundo é um búzio oco

Será no final da andança,

Um retrato de criança

Desenhado pôr um louco!

 

Será belo o fim do mundo?

Tu perguntas, não respondo,

A resposta não escondo,

Porque eu também me confondo

Porque também me aprofundo,

Estudando teus estilos

Até que um dia tranqüilos,

Sejamos a pá sem mágoa,

O tanque- o sorriso d’água,

A noite o canto dos grilos!

 

E aquela moeda solar

Que tem a efígie do touro,

Do rei sol, a moeda de ouro

Que tudo pode comprar,

Que tudo pode pagar,

Até as orgias pagãs

Porque a entidades sãs,

Estão acima de orgias

E as transformam em poesias,

No sorriso das manhãs!

 

E a outra- a moeda lunar,

Das noites de serenata,

Que chamam as moedas de prata

Que os poetas podem gastar,

Mas nunca podem manchar,

Nem com farras nem com orgia,

Pois ela é o véu da poesia

Que do céu ninguém arranca,

Ela é a lua- a rosa branca

Do véu da "virgem Maria!"

 

Não vou traçar paralelos,

Amigo Mário Quintana,

Entre a poesia pampeana,

De versos rudes- singelos

E- esses teus versos- tão

Belos,

Apenas enaltacê-los,

Pois são os mesmos sinuêlos

Do mesmo encanto de amor,

Um- das pétalas da flor,

Outro- de lonca com pêlos!

 

Teu verso é uma contraimagem,

Traduzida no contorno

Que não precisa suborno

Porque ele próprio é mensagem,

Porque ele próprio é paisagem

Que se traduz em poesia,

O meu- é a musa bravia

Que- ora reflete a lonjura,

Ora- reflete a ternura

Da vaca lambendo a cria!

 

O termo regionalismo

A mim sempre causou asco,

Pois na terra do churrasco,

Preferimos, nativismo,

Ou mesmo- universalismo

Que pertence ao mundo inteiro

E eu pergunto ao companheiro

Nesse meu tom informal:

O que é mais universal

Do que o berro dum terneiro?

 

E o payador missioneiro,

Do garrão do continente,

Cujo o verso é diferente

Porque é um verso galponeiro,

É- Quintana companheira,

Frincha da mesma janela,

Porque- se a poesia é bela,

Se tem graça e entono,

A poesia não tem dono,

É de quem se adonar dela!

 

e- quando este mundo, arrasado,

pelo fogo da loucura,

desnorteada a criatura,

todo este mundo queimado,

mestre- eu irei ao teu lado,

ordenança de poesias,

tu- cantando as geometrias

que fazes, com teu talento,

eu- payador me contento

namorando as "Três Marias!"