Órfão de Mãe Preta
Jayme Caetano Braun
Patrão! É o negro Venâncio
Que pede vossa licença,
Pra vos dizê que a Vicença
Morreu de parto, patrão
E ao ir pra baixo do chão
Não tinha nada de seu,
Só deixô quando morreu
Este negrinho chorão.
Neto da negra Donata
Escrava do vosso avô,
A negra que amamentou
“Vacês” tudo, patrãozinho.
Por isso eu “truxe” o negrinho
Afim que “vacê” o ajeite
Pois mais do que “ropa” e leite,
Ele “percisa” carinho.
A Vincença, “miseráve”,
Morreu sem le botá nome
E aqui está, roxo de fome
O pobre entinho bendito,
Sem força nem pra dá um grito
E os “óinho” cheio d’água
“Refretindo” a triste mágoa
De tê ficado solito.
Me alembrei que a patroinha
Há “poco” ganhô “famia”.
Patrão, quem sabe ela cria,
Como paga de um favor,
Esse entinho sofredô
Pialado da sorte ingrata,
Pois é neto da Donata,
Que foi vossa mãe de cor.
Não fique bravo, patrão,
Nem tome por desaforo.
Mas “óie” que ouvindo o choro
Desse negrinho mijado
O índio mais calejado
Tem vontade de sê “bão”
E chega a pedir perdão
De tudo quanto é pecado.
“Adiscurpe”, meu patrão
Eu sinto o que “vacê” sente
“Contemprando” esse vivente
Que as lágrimas nos arranca
Mas vai vê que o choro estanca
E o negrinho da Vicença
Nem vai achá diferença
Entre mãe preta e mãe branca.
Já vô simbora, patrão!
Nosso “Sinhô” o abençoe
E ao mesmo tempo perdoe
Aqueles que tudo tendo
Passam a vida, não vendo,
Cegados pela luxúria,
A miséria e a penúria
Dos que já nascem sofrendo.