MANGUEIRA DE PEDRA
Jayme Caetano Braun
Velha mangueira crioula,
Curral de pedra empilhada
Que até o pastor da manada
Bombeia com desconfiança,
Ficaste como lembrança
Da infância desta querência
Guardando a mesma inocência
Dos brinquedos de criança.
Dizem que foi o Jesuìta
Que te ergueu nas solidões,
Da fronteira, das missões,
Do litoral e da serra
Para que fosses a encerra
Das primitivas tambeiras
E das éguas coborteiras
Mais livre que a própria
terra.
E te plantaram no campo,
Com metro e meio de altura,
Meia braça de largura,
Redonda ou de cantoneira,
Quatro varas nas porteiras,
Roliças e descascadas
Como lanças encrevadas
Nos buracos das tronqueiras.
E ali no aberto, aprumada,
-Remendo nas sesmarias-
Te ermanaste
em serventia
Ao laço e a boleadeira,
Qual outra nota campeira
Da nova sociologia.
Prenunciando a trilogia
Galpão, Rodeio e Mangueira.
Depois, ao berrar do gado,
E ao relinchar da tropilha,
Viste surgir na coxilha
O casarão empedrado
E o vulto desentonado
Do galpão
de frente aberta,
Com santa-fé na coberta
Qual um bugre empenachado.
Era o Galpão do Rio Grande,
Era a estância que surgia.
Vertente da economia
Do Brasil Meridional
Como um abraço cordial
Aberto com natureza
Exprimindo a singeleza
Do velho pago natal.
E se o galpão foi o templo
Da xucra democracia
Tu foste a
arena bravia
Onde gladiadores novos
Perpetuaram os corcovos
Uma epopéia sem fim,
Pra que o teu rude clarim
Fosse ouvido noutros povos.
E na estranha sinfonia
De corcovo e de guascaço,
De berro e tiro de laço
Dos monarcas dos galpões,
Nas domas e marcações,
Junto ao fogão da amizade
Foste, o traço da igualdade
Entre a indiada e os patrões.
E tiveste teus heróis,
Velha mangueira retaca,
Desde o piá de botar vaca,
Mártir do poema campeiro,
Até o chiru
patacoeiro,
Que para enlevo das chinas
Fazia rédeas das crinas
Do potro mais culmilhudo.
O tempo foi-se passando
Modificou-se a querência,
Mas tu não perdeste a
essência,
Pois mesmo de varejão,
E até mesmo de listão
Com tronco, seringa e brete,
O teu vulto ainda reflete
A infância do nosso chão.
Aos próprios irracionais
Emprestas calor e afeto,
Pois mesmo aberta e sem teto,
És, vivenda hospitaleira,
E a vaca que foi tambeira,
Fica por ti, enfeitiçada,
Passa o dia na invernada
Mas vem dormir na mangueira.
Ao evocar-te, mangueira,
Volto a piazito
pequeno,
Pés molhados de sereno,
E ás vezes duros de geada,
Campeando vaca extraviada,
Choramingando de nojo,
Pra depois beber apojo
Com gosto de madrugada.
Por isso não admira,
Mangueira de minha infância,
Que a este pobre piá de
estância
Tu significa
tanto,
Como tu, sequei meu pranto
Mas continuo aporreado
Até ser emangueirado
Na encerra do Campo Santo.