MACHADO VELHO
Jayme Caetano Braun
Quando te encontro ao
relento,
Esquecido no lenheiro
Velho machado campeiro,
Enferrujado e sem fio,
Eu sinto,
um arrepio,
Que essas marcas ferrujentas
São as lágrimas sangrentas
Da têmpera que fugiu.
Parece até que foi ontem,
Num balcão de bolicheiro,
Que rasguei o teu letreiro
De marca e fabricação
E te bati de facão
Para escutar o tinido
Te
apalpando precavido,
Desde o olho até o gavião.
Marca velha registrada
Que pega fio e não vira,
O cabo de guajuvira
Que te botei com carinho,
Foi o meu braço de pinho
Na cadência dos falquejos
Que amanunciei
entre arqueiojos.
Tirando tramas, sozinho.
Inda recordo tinindo
Da tua têmpera guasca
Rasgando o cerno e a casca
De tudo que era madeira.
Pau-ferro, ipê, pitangueira,
Louro, canela-de-veado,
E até angico descascado
Pra varejão de mangueira.
Quanta melança,
chô-égua,
De mirim e de tubuna.
E quanto oropa
turuna
Que ficou zumbindo, tonta,
Cheguei a perder a conta,
E nem me lembro, machado,
Quanto pau-ferro aporreado
Fizeste trocar de ponta.
E até depois, quando a china,
Me pealou,
de todo o laço,
Contigo parceiro de aço
Ergui um ninho de condor,
Rancho de peão domador,
Santa-fé, taquara e cerno,
Para guardar no inverno
A prenda do meu amor.
Mais adiante, fui pra o povo,
E não te levei comigo
E hoje ao voltar, velho
amigo,
Nem te reconhecer, posso,
Entre riscos e destroços,
Pobre meu velho machado,
Algum índio desalmado
Te pegou pra cortar ossos.
Já nem te recolhem mais
Para o galpão, de preguiça,
E só em dias de carniça
Algum carneador te usa,
Corte osso, te lambusa,
E ás vezes, até atrevido,
Te passa, pelo vestido,
De cada china que cruza.
Como é triste ver-te assim,
Sem fio e destemperado,
Cabo gasto e carunchado
De rigor e judiaria.
Quanta coisa eu não faria
Com prazer, velho machado,
Pra te ver ressuscitado
Na pedra desta poesia.
Pois no lenheiro da vida
Fiquei também, como tu,
Minha sina é um caracu
De pau-ferro de verdade
E o serena da saudade
Que mais e mais me enferruja
Não pode impedir que fuja
A tinta da mocidade.