ÍNDIO VAGO

Jayme Caetano Braun

 

Me largaram muito novo,

Inda com botão na guampa

E desde então, gaudereio

Por onde o céu se destampa,

Junto ao meu cusco brasino

E o pingo gateado pampa!

 

Agüento sem me queixar

As mágoas que cabresteio

Porque dentro do Rio Grande

Estou bem onde me apeio,

O poncho velho é coberta

Pra cama estendo o arreio!

 

Cho-égua! nem acho falta

Da comida de panela

Tomo mate-chimarrão

Como matambre e costela

Tenho o pingo que me leva

E o cusco pra sentinela!

 

Na serra, fui peão de estância,

Na fronteira, capataz,

Qualquer prazer me diverte,

Diferença não me faz,

Sou sempre o mesmo gaúcho

Que fui nos tempos atrás!

 

Já vivi no campo grosso

Mas criei-me em campo fino,

E sempre buscando a volta

Da trança do meu destino

Fui aprender castelhano

Na estância dum correntino!

 

Uma chinoca argentina

Me deu um pala franjado,

Cruzando a banda oriental

Trouxe um chiripá bordado,

Cho-mico! este mundo velho,

Já muito tenho virado!

 

Não me importa o que os outros pensem

De meu viver de índio vago,

Quando a saudade me assalta

Afogo as mágoas num trago

E aliso o cusco e o pingo

Dois pedaços do meu pago!

 

São dois amigos do peito

Que me seguem com carinho,

Nos bochinchos e entreveros,

Pelas vendas do caminho,

Se me alegro eles se alegram

E nunca sofro sozinho!

 

Arrasto a cruz da existência

No lançante e na trepada,

Tenho esses dois companheiros

Que me ajudam na quarteada,

Só durmo quando anoitece

Sem nunca escolher pousada!

 

Ninguém sabe bem ao certo

Pra onde vou, nem de onde venho

É a sina que Deus me deu

Gauderiando me entretenho

Sem ninguém ficar sabendo

De alguma balda que eu tenho!

 

Já tirei manha de china

Que por baldosa era tida

Mesmo num seio de laço

Achei sempre uma saída

E se nascesse de novo

Não desejava outra vida!

 

E um dia, quando morrer

Esse é o fim de cada qual,

Hão de estar, meu pingo velho

Com seu relincho cordial,

E o meu cusquinho brasino

Chorando meu funeral!