GUITARRA
Jayme Caetano Braun
Velha e machaça
guitarra
Que eternece
e que provoca,
Tens o feitio da chinoca
Na tua forma bizarra,
Esse teu som se desgarra
E campo a fora encordoa
O nosso olhar se encarvoa,
E a escuridão se desmancha,
Quando a boieira
se prancha
No matambre
da lagoa.
Seis cordas bem estiradas,
Abraçadas pelas tramas,
Quando a lo
léu te esparramas
Nas várzeas enluaradas,
Revives as clarinadas
Do velho pago bendito,
Quando o gaúcho proscrito
Nas andanças da fronteira,
Te escolheu pra companheira,
Pra nunca viver solito.
Velha guitarra macia
Que te acordas sonolçenta,
E nessa milonga
lenta
Que eternece
e arrepia,
Traduzes na sinfonia
Os galponeiros
estalos,
Das brasa, cantos de galo,
Os mais estranhgos
entonos,
O vento nos cinamomos,
E o relincho dos cavalos.
Guitarra que ora cochilas,
E de repente te acordas,
Lembrando o bater das cordas,
Velhas tesouras de esquilas,
Tardes crioulas, cantigas,
Onde afamos
os gritos
Dos quero-queros solitos
Carrapateando os banhados,
Couro de
pampa estaqueados,
Com estacas do infinito.
Guitarra, quando te escuto,
Entre um chimarrão e outro,
Escuto um berro de potro
Nas garras de um índio bruto,
E esse picumã de luto
Me dá uma tristeza baita,
Minha alma de índio taita
Basteriando nas peleias
Perguta quando ponteias,
Onde estará o “João da
Gaita”.
Como é lindo
essa guitarra
Quando ponteia sonora,
Que se perde campo a fora
Com seu canto de cigarra,
Ela parece que esbarra
Num rústico chamamento,
Guitarra, pampa um lamento
Da minha pampa querida,
Com certeza foi parida
Nos alambrados do vento.
E com certeza eu murmuro
Estilos velhos, tão velhos,
Mais velhos que os evangelhos
Da nossa pampa escritura,
Ela trás tanta ternura
Que até a pajador
se amansa,
E a própria musa descansa
Vendo que esta vida é um jogo,
Quando o índio acende o fogo
Com brasedos
na lembrança.
Então eu fico a pensar
Que um pajador
quando canta,
É um monge que se leventa
Postado frente a um altar,
Na ânsia de consagrar
Seu pago xucro, bravio,
E sinto um arrepio,
O vento que me faz senha,
Se mau canto fosse lenha,
Ninguém morria de frio.