GUACHO BRASINO

Jayme Caetano Braun

 

Deu cria a brasina velha

Do gadinho das crianças

-Vaca mansa, das mais mancas,

leiteira, u’a maravilha,

desde os tempos de novilha

A eterna sacrificada.

Embora considerada

Quase gente da família.

 

Desta feita, era um terneiro,

Brasino da cola branca.

Cheio de manchas na anca.

Como bordadas no pêlo.

Dava gosto a gente vê-lo

Assim, vestido de festa,

Tendo um estrela na testa

Como a servir de sinuelo!

 

A vida, porém, é maula.

Ninguém sabe como foi

Perto dum “olho-de-boi”

Lá no fundo do potreiro

Fui encontrar o terneiro.

Berrando que nem criança

E as aspas da vaca mansa

Apontando no atoleiro.

 

Trouxe o terneiro pra casa

Como quem trás um piazinho.

Tão pequeno, tão novinho,

Que a gente se comovia

E parece que entendia

Que nada mais adiantava.

Quando berrando chamava

A mãe que não mais veria!

 

E agora é o guacho brasino

Que mama na mamadeira.

Vira os copos na mangueira

Na mais santa ignorância.

Pisa nos cuscos da estância

Remexe, faz reboliço

Ninguém se importa com isso,

Quem é que não teve infância?

 

 

 

 

Tem sempre nos olhos grandes

Algo místico e profundo

Refletindo o próprio mundo

Que o bom instinto norteia,

Escramuça e corcoveia

Quando vê o resto do gado

E se para alvorotado

Sempre que a gente carneia!

 

Então quando o gado entoa,

Seu bárbaro cantochão,

O guacho sai do galpão

E vem ficar ali fora

E berra também, e chora,

Com fúnebre resonância,

Como a chamar na distância

A mãe que se foi embora.

 

Não sei porque, sem ser guacho,

Sempre gostei dos guachinhos

Talvez por que são piazinhos

Sem pai, sem mãe, sem ninguém,

Que anseiam por querer bem

Mais do que anseiam por pão.

É a fome do coração

É mendicância também.

 

Porém a vida é assim mesmo,

E um dia guacho brasino.

Hás de cumprir teu destino,

Num matadouro, talvez,

Mas pede a Deus que te vez,

Se é que existe o renascer.

Que é preferível não ser

Do que ser guach outra vez.