GAÚCHOS E MARINHEIROS

Jayme Caetano Braun

 

Brotamos de quatro oceanos,

aqui nesta extremaduta,

o imenso mar de ventura,

varrido pelos minuanos;

Omar doce dos vaqueanos,

esse Uruguay que tropeia;

em cima onde fogoneia

o Sol, o mar estrelado

e o Atlântico azulado,

com gola e flecos de areia!

 

E o meu galpão é um navio

chamuscado de churrasco,

com proa, com quilha e casco,

do mais bárbaro feitio,

o centauro o construiu,

no mar pampa verdejante;

o patrão, é o comandante,

peonada é a tripulação,

o lema, é o amor ao chão,

que aqui nós temos bastante...

 

Desde o calendário Sepé,

este navio de combate,

assistiu tomarem mate

bugre, soldado e pagé,

OSÓRIO, TAMANDARÉ

e tantos outros eleitos,

gaúchos sem preconceitos,

mais livres que os próprios ventos,

com pátria nos pensamentos

e liberdade nos peitos.

 

O gaúcho e o marinheiro,

o marinheiro e o gaúcho,

águas do mesmo repuxo,

brasas do mesmo braseiro,

pavios do mesmo candieiro,

teclas da mesma cordeona,

um, deitado nas caronas,

contemplando o firmamento,

outro, ouvindo a voz do vento,

nos mastros de bujarronas...

 

Vejo tanta semelhança,

entre  marujo e campeiro,

chispas do mesmo luzeiro

e herdeiros da mesma herança;

o mastro, a picana, a lança

e o horizonte vazio;

no mar, no pampa, no rio,

sem nunca sofrer abalo,

um, a casco de cavalo,

outro, a casco de navio...

 

Nós somos gêmeos, os dois,

qual varas dos mesmos feixes,

um com tubarões e peixes,

outro, com potros e bois,

a céu aberto, e depois,

nas potreadas e peleias,

novas, minguantes e cheias,

marés de campos e luas,

um, amansando chiruas,

outro, domando sereias...

 

Na geografia e na história,

na história e na geografia,

essa amizade bravia,

tem a mesma tragetória

e o cantor puxa a memória

e aos devaneios, se entrega;

no mar de grama e mnacega,

cantando versos de rondas,

ou conversando com as ondas,

enquanto o barco navega...

 

Gaúcho e marujo, sim,

um no mar, outro no pampa,

modelam a mesma estampa

da mesma imagem sem fim,

berro, sirene, clarim,

e o minuano que dispara;

o rancho, o navio que poara,

e as estrelas caminheiras,

sempre correndo carreiras

na cancha da noite clara...


 


Personagens das lembranças

das nossas primeiras linhas,

tropeadas, combates, rinhas,

águas bravias ou mansas,

nas barbarescas andanças,

do patriador andarilho;

no piso do tombadilho,

enquanto o barco flutua,

ou conversando com a lua,

recostado no lombilho...

 

Gênio na filosofia

que trouxeram de nascença,

o que um pensa o outro pensa

porque pensam noite e dia,

oceano e pampa bravia,

da mesma essência divina,

a chama continentina

que se agranda e se emociona,

em cada porto uma dona,

em cada rancho uma china...

 

Quanto a mim, do campo aberto,

das soledades campeiras,

nas estâncias missioneiras,

tirei um curso, por certo,

e conheci, bem de perto,

os mistétios da marinha,

quando lá, em riba da linha,

isso já faz muitos anos,

convivi com os castelhanos,

contrabandeando farinha.