CORDEIRO GUACHO
Jayme Caetano Braun
Aquele cordeiro guacho
Deitado ali no baldrame
Salvei da corvada
infame
Numa tarde de garoa
Andava berrando à - toa
Com poucos dias de idade
Pois ficara na orfandade
E ali com toda a certeza
Ia ser a sobremesa
De algum corvo sem piedade.
Logo que me viu coitado
Correu direito ao cavalo
Sou índio que não me abalo
Mas me achiquei
nesse dia
Pois o pobre parecia
Solito ali no varzedo
Uma criança com medo
Quando se perde dos pais
Nem bem o peguei no mais
Ficou chupando meu dedo.
Encarangado de frio
Levei-o adiante pra o rancho
Seguido por um carancho
Que esvoaçava em mau agouro
Depois o bico de couro
A garrafa o leite quente
Que ele chupou como gente
Entre resmungos de choro.
Desde então esse guachinho
É mais um filho que tenho
E de manhã quando venho
Chimarrear junto ao fogão
Corre a me lamber a mão
Se esfregando carinhoso
Assim como piá mimoso
Quando nos pede benção.
Faz arte e estrepolias
Qual o guri que não faz
Pula pra diante e pra trás
Quando seca a mamadeira
Entra dentro da peneira
Onde debulho a ração
Sobe encima do tição
E até me vira a chaleira.
E há os que não gostam de
guachos
Porque encomodam
demais
Talvez porque tendo pais
Nunca lhes deram valor
Ou desconheçam a dor
Dos que ficaram sozinhos
E andam campeando carinhos
Nas mendicâncias do amor.
Eu não fui criado guacho
Graças ao deus soberano
Mamei até o sobre -ano
Sem misérias nem surpresas
Porém conheço as tristezas
Dos guachos
sem lar nem teto
E sei que a fome de afeto
É a mais cruel das pobrezas.
E é por ter pena dos outros
Que andam solitos
na terra
Que quando esse guacho berra
Meu peito xucro se amança
Pois eu sinto na confiança
Que inspiro ao pobre borrego
O mesmo anseio de aconchego
Que tive quando criança.