CHIMARRÃO DO SEM DESTINO

Jayme Caetano Braun

 

Meu amigo - meu irmão,

de campo - serra e fronteira,

alma da terra e tronqueira,

da gaúcha tradição,

prepara o teu chimarrão

pra que o mundo inteiro tome.

Mate amargo! santo nome

na religião dos andejos,

os que beberam teus beijos,

não podem morrer de fome!

 

Poder não deve - mas pode,

não há quem dome o destino,

o índio do campo fino,

como o da barba de bode

que fez dum fio de bigode

seu código e documento,

agora é um paria ao relento,

sobra de tempo e de guerra,

porque os que domam a terra

não constam do testamento!

 

Tetraneto dos andantes

que domaram a lonjura,

testemunhas da escritura

das epopéias de dantes,

hoje - apenas retirantes,

sem nada - além de ser nada;

a tropilha desgarrada,

sem rumos - analfabetos

que se integram nos decretos

da história desmemoriada!

 

O mate é teu - desgarrado,

da esperança e da fortuna,

aqui no fogão - tribuna,

de todo o abandonado,

te vejo triste - atirado,

lembrando o pago - talvez,

e o que o destino te fez,

ao te apartar da querência,

sem quebrar - nem na indigência,

essa bárbara altivez!

 

Essa altivez que te resta

pode durar muito mais,

pois te sobram credenciais,

além do ser que protesta,

a preocupação na testa

e os olhos queimando luz,

talvez pensando em gurus,

estranhos aos teus terreiros,

ou - talvez - nos entreveros

dos nazarenos sem cruz!

 

Atrás o tempo - a lembrança

do "não tem mais" da tapera,

na frente - a incerteza - a espera,

mas ninguém come a esperança;

o choro de uma criança,

o leite - o pão que não há,

salário - se tem - não dá,

teu viver não vale um real;

misero inseto social

em qualquer parte onde vá!

 

Eu sonho - taura charrua,

te ver pelear - sem violência,

dentro da lei da consciência,

na pátria que é nossa - é tua;

sair como um livre à rua,

não pra matar ou morrer,

mas pra exigir - pra dizer

que tu mereces respeito

e - como tal - tens direito,

como os demais - de escolher!

 

Acredito nos escoros

que ainda firmam o garrão,

no primitivo padrão

desta querência de touros;

gringos - lusitanos - mouros,

dos quais a gente descende,

como a brasa que reacende,

dentro da cinza dormida:

uma vida - além da vida

que não morre - nem se vende!