AVÔ MARAGATO
Jayme Caetano Braun
Oficiador veterano
No ritual do chimarrão
Ali está, junto ao fogão,
No silêncio das manhãs
E por entre as picumãs
Que descem do
santa-fé
Parece um velho pajé
Todo enfeitado de cãs.
Pouco lhe importa a fumaça
Que arde na vista cansada,
Pensa na vida passada
De índio velho analfabeto
Alisando com afeto
O mesmo Lenço Encarnado
Que há pouco tempo passado
Levou-lhe o último neto.
Era o seu último arrimo,
Botão de uma descendência,
Os outros, pela vivência,
Um a um tinham caído
E o lenço velho encardido
Pela poeira da batalha
De bandeira e de mortalha
De um a um tinha servido.
Ele mesmo dera o lenço
Ao neto, indiozito
guapo,
Dizendo, filho, este trapo,
Que do pescoço desato,
Exige muito recato
E coragem, sobretudo,
Pois é bandeira e escudo
Do Rio Grande Maragato.
E conserva na retina
A estampa do índio moço
De lenço rubro ao pescoço
Atado com galhardia,
Que se fora, um belo dia,
Pra não voltar nunca mais
Sacrificado aos ideais
Que nem mesmo compreendia.
Por que será, pensa o velho,
Se a vida é curta e tão linda
Que existe quem teime ainda
Em morrer por um partido,
Ou por um lenço encardido,
Mesmo que incarne
um ideal,
Pra se dar conta, ao final,
Que morreu sem ter vivido.
Esquece, porém, o taura,
Na sua evocação rude
Que um dia, na juventude,
Quase morta na lembrança,
Empunha também a lança,
Sem ouvir rogo ou conselho,
Pra honrar o trapo vermelho
Que recebera de herança.
E assim, se julga culpado,
Na crioula ignorância,
De que o neto, piá de
estância,
Amanunciado a sovéu,
Só para honrar o troféu,
Que estava nas duas pontas,
Preferisse, ao final das
contas,
Ser maragato no céu.
Eu tenho pena de ti
Velho pajé da querência,
Que rematas a existência
Com estoicismo e bom senso
E sinto o vazio imenso
Do teu fim de vida, ingrato,
Pois pobre Avô Maregato
Já não tens quem herde o
Lenço.