ADAGA!
Jayme Caetano Braun
Adaga do meu Rio Grande,
Velho traste farroupilha,
Que celebrou na coxilha
O mais sangrento ritual,
O teu carinho é mortal
Quando te apresentas nua
Linda e malvada chirua
Transfigurada em metal!
Oh! velha
e rude chavasca
Dos entreveros de outrora,
No lusco-fusco da aurora,
Da nossa emancipação
Quando o pago redomão
Levava a primeira encilha
Já cruzavas na coxilha
Bebendo o sangue pagão!
Na conquista deste solo
Bebeste o sangue charrua
O mesmo que hoje flutua
Entreverado a fremir,
Nesta raça que ao surgir
Já trouxe da formação,
A sina de ser padrão
Enquanto um guasca existir!
Ainda vibram os tinidos
Do teu aço soberano
Quando o jugo castelhano
Dominação pretendia,
Pois então a língua fria
Desse corpo esguio e reto
Era o único dialeto
Que o paisano compreendia!
Pelos lábios da siá dona
Foste mil vezes maldita
Quando cruzavas proscrita
Na mão de algum índio vago
Manchando, até por um trago,
Nos teus arrancos tiranos,
Com sacrifícios humanos
O verde altar do meu pago!
Por isso tu me recordas,
Quando contemplo teu
"S",
A chinoca em muda prece
Junto a
cruz de beira estrada
Revejo a terra molhada
Do sangue de nossa gente
Refletindo no presente
A velha glória passada!
Eu te evoco, na querência,
Adaga rústica e langue,
Sempre farejando sangue
Abarbarada e sensual,
Quando teu beijo fatal
Era sentença de morte
Dos que terciavam a sorte
No teu rude tribunal!
Como dona das fronteiras
Tu governaste sozinha,
Corcoveando na bainha,
Enciumada e barbaresca
E a tua estampa grotesca,
Madrugando no passado,
Escreveu no descampado
A tradição gauchesca!
No espelho imaculado
Dessa lâmina de fogo
Vivem carpetas de jogo,
Cruzam bandos de urubus
E no tronco dos umbus,
No poste da estrada Real,
Sempre se encontra sinal
Da tua heróica passagem,
Como rústica homenagem,
Onde as velhas gravações
São decerto as orações
Da tua crença selvagem!
Hás de andar sempre comigo,
Velho duende malfazejo,
Até que eu cumpra o desejo
De transformar-te num poema
E renegues, à hora extrema,
O teu instinto pagão
Para que o Deus do rincão,
Cheio de pena se abrande,
Convocando no Rio Grande,
Para nova campereada,
A fibra guasca enterrada
Nas cinzas da tradição!
Depois disso, adaga velha,
Serás de novo rainha
Entronada na bainha
Como foste noutras eras
E na existência dos cueras,
Além da lança e a garrucha,
Serás tu, adaga gaúcha,
A prenda mais cobiçada,
No bochincho e na tropeada,
Nas canchas de jogatina
Hás de cruzar como a china,
Alegre, mas desconfiada!!!