RECUERDOS AO PÉ DO FOGO

Jadir Oliveira

Mais uma noite campeira,
Chega encostando os gravetos
No velho fogo crioulo
Que acendi no meu galpão.
E ali, por detrás do cerro,
A tocha rubra do sol
Vai dando buenas pra o pago;
Se despedindo pachola;
Vai aquecer outros pagos,
Do outro lado do mundo.

 

Cala-se a voz da cigarra
Cantora das tardes buenas
Dando uma vaza pra o grilo
Que chega pedindo cancha,
Abrindo alma e garganta,
Cantando pra o vaga-lume
Velho andarengo noturno;
Que vai bordando as canhadas
Trazendo um pouco de vida,
Para a noite cor de breu.

 

Enquanto corre o amargo
Um velhito conta estórias
Sobre os mistérios da noite.
Causos de bruxas, fantasmas,
Assombrações, lobisomem,
Da grande cobra de fogo
Que vaga pelas taperas,
Protegendo algum tesouro
Que algum antigo escondeu;


Mas bueno.
Para um campeiro
Que passa os dias domando,
Quebrando queixos de potros,
Tosquiando crinas, castrando,
E volta ao galpão, cansado,
Seco por um mate amargo,
O que pode a noite trazer ?

 

Ah! . . . Pode trazer mil recuerdos,
Saudades de um tempo antigo,
Que vem na água do mate,
No picumã das paredes,
Nos acordes da guitarra,
Que me faz voltar no tempo,
E entrar no tempo da infância
Galopeando rédeas soltas,
No meu cavalo de pau.

 

Me lembro . . . naquele tempo
Quando ainda era guri,
A noite já me encantava.
Me recordo, quantas vezes
Sentado na pedra grande
Que tinha ao lado do rancho,
Ficava contando estrelas.
E a cada noite, mais uma,
Vinha aumentar minha conta
De faz de conta de piá.

 

Recordo . . . das noites quentes,
No lombo de uma coxilha,
Eu pegava vaga-lumes.
E depois voltava ao rancho
E soltava no santa fé.
Pois, nos meus sonhos de menino
Que nunca fora no povo,
Na sua doce ilusão,
Criava a própria cidade
Sobre a quincha do galpão.
Ah! . . . Meus tempos de criança,
Que bom pudessem voltar.
Acendo outra vez o pito,
Encosto mais um tição,
Dou uma encilhada no amargo,
Para endoçar as lembranças.

 

Quando o dia amanhecer,
Recomeça o alvoroço
E a dura lida do peão,
Que empresta a força ao trabalho
Na espera que finde o dia,
Pra de novo junto às brasas,
Galopear recordações
No lombo de uma saudade
Enfrenada pela noite,
Na estância do coração.