Pajador


Hugo Ramirez


Pajador vem de pajé,
o feiticeiro tupi,
- o "pa-í" do guarani -,
agente bugre da fé,
que via além do momento,
entendendo a voz do vento,
águas, folhas, nuvens, aves,
e até os acentos mais graves
do ribombar do trovão.
De noite, lia nos astros,
e, à luz do sol, na manhã,
e, se escutava no chão,
conhecia, pelos rastros,
a Anhanguá, Rudá ou Tupã.

Pois tal temo peregrino
- e que isto a todos comforte!-
do Nhengatú, lá do norte,
e do Abanheenga sulino,
tem igual significado
ao do latim do passado,
e o mesmo nobre quilate:
-nosso Pajador é o Vate,
filho querido dos deuses,
arado cuja lavoura
tem sublime tirocínio.
Qual a Deméter de Elêusis,
o chão do futuro agoura,
num fecundo vaticínio.

Devassando, soberano,
os mil segredos da sorte,
governava a vida e a morte
e o próprio destino humano.

Com remédios vegetais,
benzeduras e sinais,
e nos rituais que fazia,
ele mostrava a magia
que herdara da natureza.
Com a sua medicina,
curava os corpos e a mente,
e, numa estranha proeza,
traduzia a voz divina
com os seus dons de vidente.

Igual em fama e valor,
em galpão, tropa ou rodeio,
abre o peito sem receio
o gaúcho pajador.
Tape, Minuano ou Charrua,
o sangue que nele atua
traz o mesmo índio legado.
E em seu canto abarbarado,
a jorrar que nem cachoeira,
vibra um arcano secreto,
Pajé do pampa, em seu verso,
decifra, à sua maneira,
no seu crioulo dialeto,
a alma guasca do Universo