Bolicho


Hugo Ramirez


Aprumando na coxilha
como um bagual que se empina,
te rodeava sina-sina,
tuna, abrojo e paraíso...
A porta, um palanque liso
pra animalada teatina.

No oitão, a cancha de tava
onde o guasca aficionado
pela, de canto chorado,
a guaiaca do parceiro,
num tironaço matreiro,
até o deixar despilchado...

Nas prateleiras, de tudo:
abobra, milho, aguardente,
xarope, perfume, pente,
adagas, balas, tamancos,
lenços, vermelhos e brancos,
riscado, brim e semente.

Quanto ali não se encontrasse
para o rancho do índio bruto,
teria substituto
por mais difícil que fosse:
do pano ao remédio e ao doce,
que o bolicheiro era astuto!

Em ti confraternizava
a peonada, sem mais fogo,
com que se chegasse ao fogo.
Tinha, assim, o forasteiro,
a qualquer dia, parceiro
para charla, canha e jogo.

Nas carpetas da bodega
se oitavavam bombachudos,
cueras maulas, melenudos,
portando adaga e trabuco,
a prosear, em meio ao truco,
seus causos mais peleagudos,

Freqüentemente era o tira-teima,
gaúcho e bárbaro esporte
com que se toureava a morte...
Muita vez corria talho
por aposta de baralho,
diante do excesso de sorte!

Se alguém se desconhecia,
peleava a maria-clara
se botando no baiquara,
batendo à boca, num guincho,
e ali no mais o bochincho,
com rispidez, se declara.

Aos domingos sem carreiras,
por chuva ou falta de páreo,
negreava de voluntário
para trovar todo o dia,
enquanto o violão zunia
num cantochão solitário.

Centro social ca Campanha
da vida crioula machaça,
onde o palheiro e a cachaça
serviam de chamarisco,
tu foste, bolicho, o aprisco
da nossa bárbara raça!