UM CERTO TROPEIRO LUA NOVA
Guilherme
Araújo Collares
Um semblante de taquara
vergado
- a força de ventos –
- num corpo alto e esguio,
dobrado
de há muitos anos...
... estamparam no
velhito
a alcunha de
“Lua Nova”.
Ainda haviam gadarias
bagualas
nos “pajonais”,
e um sabor de
especiarias
nas canastras dos
mascates,
quando
o Lua se deu conta
que existia neste
mundo...
Ainda haviam correrias
e piquetes de
lanceiros...
... lideranças de
caudilhos
nas cargas e
retiradas...
quando
morriam centenas
tingindo
o fio das adagas
dos muitos
degoladores
que marcaram estas
guerras
e borraram nossa
história,
ensangüentando
estas plagas.
E o Lua Nova era um
dos outros nove
guris
que a miséria
abriu caminho
para o mundo dos
mortais...
... já contando seis
janeiros
picaneou
os seus tambeiros
- da gadaria-de-osso
pros campos do
nunca mais...
... para andar
quebrando geada,
repontando
a cavalhada
na recolhida da
estância...
... que o fez homem pra
a vida.
E foi crescendo solito...
... ao rigor das
campereadas...
... nas esquilas de
comparsa
suando
de agarrador...
... sem ter mais rumo e
senhor
que a luz do
próprio destino
dos despatriados
da sorte...
... sem ter mais sonhos
que um norte
de viver ao
dissabor.
No tempo das tropas largas
pras charqueadas de
Pelotas
- meio ainda gurizote –
o Lua se fez
tropeiro
.... daqueles de antigamente...
Era ele quem boleava
os mestiços
capinudos
que existiam nos
banhados...
... pra montar as
tropas largas
sem marca, sinal,
nem dono...
... da boiada que
topava
a marretada
fatal...
... pro charque... nos matadouros...
E quando bandeavam o gado
num dos vaus do
Camaquã...
... era o Lua num
tordilho
- como um peixe dentro d’água
-
que chamava a
rês-da -ponta
pra fazer pegar o
nado...
Rondava o quarto ao tranquito,
cantando
um xote bonito
- daqueles de volta e meia -
crioulo
da própria marca...
... ponteiro, chamava a
tropa
“escramurçando” o
tordilho
que era “as
confiança” do dono...
o aba larga quebrado
e um pala branco
voando...
como uma garça
planando
contra
o azul desbotado...
E neste meio-galope
que o tempo aplica
na gente,
aquele
triste vivente
não se deu
conta... nem viu...
... a sua vida
passando...
a cabeleira
branqueando
aos anos se
sucedendo...
... tal branca espuma
rolando
na correnteza do
rio...
E hoje...
... um olhar enfumaçado
- como a bruma galponeira
que ele tanto
conheceu -
empurra
o corpo cansado,
doente
e desamparado...
... que os rigores do
passado
lhe deixaram de
herança...
O Lua...
aquele tropeiro...
... é hoje um pobre
mendigo...
... envergando rotas
vestes
regaladas
por amigos...
... e nos resta
constatar
que os poucos
tauras-tordilhos,
daqueles
tempos, restantes,
não tem espaço –
no hoje –
para se quer
existir...
O Lua
Nova no povo..
... os horizontes
fechados...
... como um felino
enjaulado...
... sem ter os rumos
pra andar...
... um par de pernas
cambotas
separadas
de seus calços...
... são dois santos sem
andores
que nem sabem
caminhar...
Só resta ao Lua a esperança
da morte ser companheira...
... e que Deus lhe dê
querência
para de novo
cruzar...
... um tordilho pras
cambotas...
... um aba larga
tapeado...
... um pala branco
voando
contra
o azul desbotado...
uma tropa grande e
buena
para, ponteiro,
chamar...
... só disto o Lua precisa...
... para poder se
encontrar...