TRANSCENDÊNCIA ATEMPORAL EQÜINA

- LEMBRANÇAS E LAMENTOS DE UM CAVALO –

Guilherme Araújo Colares

 

Nasceu e morreu cavalo...

... e várias vezes veio a nascer...

viver... e morrer cavalo...

 

Era Península Ibérica

- Flor de Espanha em sua estampa –

Numa carga contra os mouros...

... lança espada e cimitarra...

... o corcel de um cavaleiro rodou, ferido de morte...

... menos mal que o escudeiro andava bem a cavalo

... num flete   tordilho negro, menestrel de Andaluzia –

sacou seu senhor na anca ... pra os rumos de Salamanca

... como se fosse um rei mago seguindo uma estrela-guia...

 

Foi este mesmo cavalo que ao comando de seu dono,

não veio  a perder o entono.. atropelando gigantes...

traído pelo reflexo das pás ao sol ... do moinho...

caiu, ferido na testa... sem rumo e na mesma cancha

que tombou o tal Quixote... que vinha desde La Mancha...

 

E ainda assim sua sina

era nascer... crescer... viver...

... e tornar a morrer cavalo...

 

Mirava da baía escura

por minúscula escotilha do galeão que o trazia,

a imensidade vazia daquele  Atlântico Oceano...

... e o esforço sobre-humano obrigando a buscar terras

expandindo o território da América que nascia...

... o cavalo para a guerra.

era um sol iluminando as sombras da noite fria...

 

E brigou no Novo Mundo...

... o Povo Asteca o cultuava... e a Nação Inca corria...

... de medo daquele monstro

- nunca visto nessas terras

que aquela “gente barbuda” montava nas correrias...

 

Veio, enfim, o seu descanso,

quando esta terra morena acolheu os buenos pingos

- escapados das batalhas.

Foram crescendos as manadas

- selvagens em sua essência

douradas a sóis e ausências de dono, leis e obediência...

... sem ter mais rumo e tenência

que o vento da pampa grande

no desalinho das crinas...

 

Porém Deus, que tudo sabe... de seu trono onipotente

- de há muito tempo passado já havia determinado:

“... cavalo, te pus no mundo para que ajude meus filhos

a cumprir com todo  empenho as tarefas que lhes dei!”

 

 

Foram nascendo as estâncias...

... e o dia-a-dia na lida de pechar touros nas grotas...

... de ser nau sob as cambotas de tropeiros e teatinos...

... te compor fração andante dos centauros deste chão.

Quem tinha um pingo sabia ser este, a maior valia

- a mais preciosa iguaria que um taura tinha na mão...

 

Foram crescendo as cidades...

... mudando as necessidades...

... transformando-se as verdades...

À medida que o progresso ia encurtando as distâncias,

morreram, no rumo, as ânsias de tropas e comitivas...

... os pingos perderam tronos para a indústria automotiva...

 

Ainda assim seguia nascendo...

... vivendo... morrendo....

... e sofrendo como cavalo...

 

Até que um dia, este flete

- os cascos na pedra dura,

carroceando as incertezas nas misérias de uma vila,

foi vendido pro “salame”...

... e embora não contivesse a pura indignação

topou a morte de frente...

... cansado... triste... impotente...

com um fio de sangue pingente do “redemunho” da testa ...

... desencarnou afinal...

... mas como ainda era crente

e temente ao seu Senhor...

... pediu pra falar com Deus...

 

“- Senhor meu Deus dos cavalos;

não me queixo  nem me nego

a cumprir vossa vontade...

... de ajudar a humanidade

no trabalho e no lazer...

mas vos pergunto, em verdade,

que sina temos, que o homem,

nos cause tanta tristeza,

sentindo tanto prazer?”

 

“ – Senhor meu Deus dos cavalos:

eu vos peço e vos reclamo

que esta dita raça humana reconheça o que vos falo:

o homem com suas ciências...

... sua bendita inteligência... adota a forma da besta

mais vil, cruel e insensível que o mais maula dos cavalos!

 

“- Senhor meu Deus dos cavalos:

eu vos suplico em final....

... derrama tua divindade...

... semeando, na humanidade, o respeito e a bondade...

... na convivência terrena entre homem e animal!...