Para Entender a Distância no Coração de um Tropeiro

Guilherme Collares

 

Antônio tropeava ajenos

pelas curvas das estradas...

Tropa era apenas desculpa

pra poder fazer da vida

uma eterna caminhada,

sem chegada nem partida...

 

Uma única ilusão

dava ao Antônio, a certeza

de ser, a vida, uma roda

onde encontramos o início

sempre bem perto do fim...

E também, por ser assim,

sem rumo e sem sina próprias,

pôde entender os que sofrem

- campeando o que não perderam -

por estes tantos confins.

 

E perguntar-se quem era,

ou por que aqui estava?...

...jamais...e que santa bênção!

Pois Deus, em sua plenitude,

concedeu-lhe ignorância...

...que é o saber dos que não tem!...

E, por isso, é que o Antônio

cortava tempo e distâncias,

salgando o xergão nas ânsias

de nem compreender-se bem.

Mas pra’o Antônio, a distância

era um vício, uma doença...

...e de tanto andar sem rumo,

sem ter um lá...um aqui...

sentiu, um dia, a distância

crescer por dentro de si...

 

Certeza...só tinha duas:

Empurrar boiada ajena

pela poeira das estradas...

...outra, a certeza final,

de que, um dia, ele seria

mangueado pra’o matadouro

onde a sorte nos aplica

a marretada fatal.

 

Ciência...tinha mui pouca:

Sabia que noite e dia

vem encordoado – um no outro –

...que homem, cachorro e potro

se tratam com muito jeito.

E sabia que o respeito

é um dom que poucos tem...

...media os atos e fatos

que não queria pra ele...

...e não os fazia a ninguém.

 

Materialismo...bem pouco...

...somente pra’o necessário:

Os avios da lida bruta,

um par de botas e esporas,

uma mala de garupa

com uma muda de roupa ...

...um sombrero de abas largas

e um poncho-pátria emalado...

 

...qual um soldado tombado,

esvaído, degolado...

...co’a baeta colorada

enrolada de mortalha...

...como se a anca do pingo

imitasse o barbarismo

que há num campo de batalha.

 

..................................................

 

E hoje, a tropa perdeu-se

no longo ronco poluído

do motor movido a diesel

de um caminhão boiadeiro.

 

E que fim levou o Antônio?...

...andará batendo estribo

pra alguma banda lejana?...

Ou, quem sabe anda – buerana –

assobiando ao trote largo

de uma copla de andar só?...

...ou mesmo, fundiu-se ao pó

que tanto comeu na vida,

numa culatra de tropa,

pelos ermos das estradas?...

Ou, quem sabe, anda extraviado

- perdido pelos caminhos -

como filho de avestruz?!...

 

 

Talvez, procure uma luz

da divindade, mandada,

que aponte o rumo e o norte

pra onde perdeu-se a tropa...

...ou então, o pouso certo

que plantou tantos campeiros

abaixo da cabeceira

tosca e rude de uma cruz.

 

O paradeiro do Antônio

ninguém sabe...ninguém viu...

...o mais certo é que partiu

na culatra da morruda

e perdeu-se no silêncio

que ecoa junto do grito

do “Venha boi!” – bem marcado –

da garganta de um ponteiro...

 

Deve andar batendo estribo

- cortando os rumos do nada -

comendo a poeira da estrada

de alguma tropa perdida

em algum lá...ou aqui...

...nesta eterna caminhada,

sem chegada nem partida...

...exilado na distância

que cresceu dentro de si...