Chico Fagundo

 

Gonçalves Chaves Calixto (Cabelera)

 

Tava reunida a peonada
No galpão grande de trás
Foi quando entrô o capataz
Falando pra todo mundo:
- “ feio o velho Fagundo,
Parece que não escapa,
o patrão mandou dizer
Pra todos irem lá ver,
- Eu acho que é o fim da etapa”.

Também... com cem anos,
Disse um peão falando rouco.
Talvez uns oitenta e pouco,,
Disse outro a meia voz.
Foi o melhor entre nós,
Quera taura e respeitado
Francisco Fagundo Neto
Era seu nome completo
Chico Fagundo, chamado.

Entramos na casa grande,
Onde estava o índio vago,
o peão mais guapo do pago,
De fato, estava no fim.
Mas falava mesmo assim,
Com muito esforço, o peão
A barba branca... Os cabelos ...
Fazia o último apelo,
Pro seu amigo e patrão...

Falava claro e sério:
- A morte é china maleva,
Que sem piedade nos leva
Para outra campereada.
mas eu não deixo a invernada
Por nenhum outro rincão.
O meu corpo de Gaudério
Não mande pro cemitério,
Porque eu não quero, Patrão.

Eu quero ser enterrado
Lá em riba, no coxilhão,
E plante dois sinamão
Na beira da minha campa.
Pra que a peonada do pampa,
Depois de uma campereada
Encontre sombra, aconchego,
Para estender um pelêgo
Na hora de uma sestiada.

Eu quero uma cruz bem grande,
Feita de cerno de arueira
Pra durar a vida inteira,
Marcando a minha morada.
Onde a tardinha, a boiada
Qual cerimônia sem luxo
vá reunir-se em procissão,
Berrando numa oração
Pra alma deste gaúcho.

Num braço da cruz, te peço
Pendura minha guaiaca,
No outro, a xaira e a faca.
mas não esqueça o chapéu
Pois lá nos campos do céu,
A minha alma de índio guapo
Vai mostrar o que aprendeu,
Nos tempos em que viveu
Neste Rio Grande Farrapo.

Também não quero caixão
Cave somente uma vala.
Meu corpo, enrole no pala
Para que a terra consuma.
Não faça escrita nenhuma,
Não marque hora nem data.
Pro peão mais taura e valente,
Dê minhas botas de presente
Com as esporas de prata.

Meu laço de doze braças
Boleadeiras, tirador,
Dê pro melhor laçador
Que pisar neste rincão
E pra você meu patrão
Eu deixo minha garrucha
Que sempre guardei glória
Por ser um marco da história
Da nossa terra gaúcha.

Mas o meu lenço vermelho
Amarre na cruz, bem forte
Pra quando o vento norte


Bater nele de mansito
Ele tremule solito
Na amplidão do céu azul
Balançando a vida inteira
Como se fosse bandeira
Do meu Rio Grande do Sul.

E ficou quieto de repente
\"ta morto\" - disse um piazote
Senti cá dentro um pinote
dos pulsos do coração
\"las pucha\" - disse o patrão
Com o rosto assombrado e sério
Na cozinha da fazenda
Choramingava uma prenda
Pela morte do gaudério.

Disse o patrão - capataz!
Mande alguém urgentemente
Na estância do João Clemente
Lá no bolicho e na venda
Avisa as outras fazendas
Que está de luto a região
Pois morreu Chico Fagundo
O peão mais quera do mundo,
Que pisou neste rincão.