VIOLA MISSIONEIRA
Glaucus Saraiva
Viola, cuia de pinho
pros mates de solidão,
curtida nesse galpão
esfumaçado de estrelas,
onde a lua transfoguera
fogoneia evocações.
Os "recuerdos"
querendões
que se aninharam em teu bojo
são o meu sonoro ajojo
com a saudade das Missões.
Filha espúria da fronteira
de crioula genealogia.
Tens rastros de bruxaria
com segredos de "anhangá";
Lamentos de
"mbacarás"
dos trovadores tupis;
sonhos de "cunhantais"
tecendo amores na taba,
ou de algum "morubixaba"
das Reduções Guaranis.
Rua boca de
"salamanca"
conta histórias do "Eldorado";
fala de seios cortados
das "amazonas" lendárias;
das conquistas arbitrárias
de coroas prepotentes
e os entrechoques ingentes
de espanhóis e lusitanos,
taureando o amor aragano
da América adolescente.
Há tambores de senzala
no gemer dos teus bordões
e o mastigar de grilhões
triturando liberdades.
Tens na hereditariedade
dos sons que brotam de ti,
responsos de "quicumbi",
da "mãe preta" "encomendando",
e o "preto velho" "banzando"
na evocação de "Zumbi".
Se
atropelas o encordoado,
gritam lanças de taquara!
Caudilhos abrem coivaras
humanas nos entreveiros;
se ouvem berros de campeiros
nos primitivos rodeios,
e mesclando sangue e anseios,
cavalo, mate e garrucha,
plasmou-se a raça gaúcha
na guerra e no pastoreio.
Viola das rondas largas
dos bolichos missioneiros.
Concubina de chibeiros
e proscritos correntinos:
de "payadores" teatinos
dramatizando adultérios;
cipreste dos cemitérios
remotos de almas tumbeiras
e a bastarda carpideira
nos funerais dos gaudérios.
E dessa mescla de origens
guardaste o florão da ganga.
Agora, na mesma canga
feita do mesmo silêncio,
puxamos um fardo imenso
de rebeldias caiporas,
picaneando estrada a fora
as esperanças cansadas
de uma vida raboneada
dos sonhos que tive outrora.
Oh! terna
amadrinhadora
das minhas xucras ausências,
domando reminiscências
que se apotraram em meu peito:
catre singelo em que deito
garroteadas amarguras
tarca das poucas venturas
marcadas no meu rodeio:
umbu sereno onde apeio
minhas secretas ternuras.
Cordas, artérias sonoras
do meu sangue emocional.
Ninho de angústia ancestral
e de anseios seculares;
sovador dos meus penares
neste gauderiar inquieto,
meu refúgio predileto,
campo-santo de fracassos,
viola que enche meus braços
vazios de amor e de afeto.
Filtro do meu atavismo
com raízes de tristeza.
Já me conforma a certeza,
ao findar minha existência,
de que guardarás a essência
do meu crioulo ideal
e como um sino bagual,
quero te ouvir ao meu lado,
dobrando um xucro "finados"
no meu pobre funeral!