VELHO PONCHO
Glaucus
Saraiva
Meu velho poncho crioulo
Pano de lei, velho abrigo!
Tu foste meu berço amigo
No momento em que nasci.
Desde então sempre vivi
Sob o teu calor paterno.
Em tropeadas pelo inverno,
Eras meu toldo cigano.
Hoje o destino aragano
Reduziu-te a pobre trapo,
Meu velho poncho farrapo
De lutas mil, veterano.
Oh! Velha prenda crioula,
Meu berço minha barraca,
Bordado a ponta de faca
No bastidor das peleias.
Meu coração, tu maneias,
No trançado do teu pano,
Onde canta o minuano
Por entre os furos de bala
Em teu panejar
trescala
O passado desta terra
E a glória de muitas guerras
Que tua pobreza assinala.
Oh! Velho trapo crioulo
De memórias
secular!
És hoje pano de altar
Que estiro sobre a coxilha;
E esta minha alma caudilha;
No templo do descampado,
Num cântico abarbarado
Celebra um rito pagão...
Joelhos posto no chão,
Olhos pregados no céu,
Rezo um grotesco De-Deum
Na prece da tradição...
És, velho poncho crioulo,
Do meu passado o debuxo.
Meu orgulho de gaúcho
Eu tenho a soga nas dobras
Deste teu pano onde sobram
Anseios de liberdade,
Quando chasqueias, á tarde
Aos ventos do meu Rio Grande,
E soberano te expande
Qual bandeira tricolor
Venero-te com amor
Pobre frangalho querido...
E o meu último pedido
Anseio humilde e sagrado,
É ser contigo, enterrado
Velho poncho de batalha!
Concedam-me esta migalha,
E em meu caixão de defunto
Levarei comigo, junto,
O Rio Grande por mortalha.