MATEANDO
Glaucus Saraiva
Quando a saudade maleva
Guasqueia forte o meu lombo
De supetão dou-lhe o tombo
E espanto a guecha algariada,
Numa charlita
animada
Com a boca de meu porongo.
Muitas vezes,
tironeando,
Busco a sombra do galpão
Vou remechendo
um tição
Acordo as brasas soprando,
E a chama vai levantando
Do "pai-de-fogo"
no chão.
Chego a
brasa no crioulo,
Depois encosto a chaleira,
Vou direito à prateleira
E com carinho destampo
A lata, cheiro de campo,
Da erva boa da Palmeira.
Palmeio o velho porongo,
Derramo a erva com jeito,
Encosto a cuia no peito,
Batendo a erva pra um lado,
Com os dedos enconchados
Formo um topete bem feito
Com um pouquinho de água
morna
Que despejo com cuidado,
Tenho o amargo ajeitado
Que ponho a um canto, pra inchar
Espero a água esquentar
Pitando um baio sovado.
A pava
chiou no fogo,
encho a cuia que promete
A espuma se arremete
Vem pra cima borbulhando
E acariciante, beijando
Engrinaldeia o topete.
Agarro a bomba de prata
Tapo o bocal com o dedão,
Calço o bojo no chão
Da cuia e vou destampando
Um pouco do chimarrão.
Derramo outro tanto d’água,
O que ainda aumenta o calor
E o mate confortador
Vou sorvendo em trago largo,
Pois me saiu um amargo
Despachado e roncador
Encho outra vez o porongo
Vou tragueando
lentamente
E escuto nitidamente,
Como um chamado ancestral,
Um murmúrio paternal
Falando na seiva quente:
"Meu
filho, levanta a testa,
Porque a vida é um desafio
Se o teu presente é sombrio
E já sentes,
mermando,
Teu coração balanceando
Dentro do peito vazio.
Se amores e ideais alçadas
Muito te custa esquecer
E se estás a envelhecer
A mocidade chorando
Não esquece que, lamentando
Jamais o fará volver.
Se pelecharam
teus sonhos
Amananciados em criança;
Se
assististe à matança
De tua última ilusão,
Nota bem o chimarrão
Tem o verde da esperança.