LENDA DA ADAGA

Glaucus Saraiva

 

Nasceste de um raio guacho

na alquímia do espaço.

O tento azul de teu aço

veio da lonca do céu.

És o bárbaro troféu

de algum duende teatino

que moldou teu corpo fino

na forja dos elementos.

 

Quando transaram-se os tentos

das braças grandes da hístória,

como arremate de glória,

com o Rio Grande na ilhapa,

nessa gestação mais guapa

que a América fecundou,

foi teu aço que cortou,

no parto meridional,

o cordão umbilical

do pago recém-nascido.

 

Tendo guinchos e tinidos

como acalantos de guerra

foste embalando esta terra

no berço da formação.

Na estranha premonição

da cruz bastarda e do corte,

foi que talhaste o recorte

da própria história indecisa.

 

Oh, bárbara pitonisa

da nossa gesta orelhana!

Da algaravia pampeana

foste a linguagem comum

e a desquinar, um a um,

os primitivos direitos

foi que tramaste os preceitos

de um nômade tribunal,

até afirmar, afinal,

jurisprudência bagual,

definindo a ferro e bala

nosso código penal.

 

Sangrando rumos e anseios

na agitação das fronteiras,

foste a rija feiticeira

na nossa guasca etnia.

Tua intrépida alquimia

- mesclando origens, pendores,

gerou centauros, condores,

numa estirpe original.

A simbiose radical,

feita em teu crisol de bruxo,

cristalizou o gaúcho

como o guerreiro imortal.

 

E, por isso, adaga nua,

quando prolongas meu braço,

vejo espelhada em teu aço

toda a gênese da raça...

E a essa visão que passa

repontando antigos feitos,

me sinto um caudilho eleito

na história viril da terra,

pois ouço um clarim de guerra

gritando Pátria em meu peito.