GAUDÉRIO
Glaucus Saraiva
Entre uma saudade e outra
é assim que vive um gaudério,
nesse imenso presbitério,
encolunados de serras.
Não tem querência, nem terra,
nem origem, nem destino...
Sacerdote teatino
do culto dos avoengos.
Foi o primeiro andarengo
- cruzando pampa e coxilha,
que fundou essa andarilha
confraria dos errantes.
Desses que levam por diante
suas penas desmamadas
e as ilusões esquiladas
pra sanga azul do horizonte.
Sonhos magros, em reponte,
seguem pastando distâncias;
as estranhas ressonâncias
de saudades chimarronas
se entreveram, querendonas
no corredor do infinito.
E segue o primário rito
do atávico nomadismo.
Há um profundo misticismo
no gauderiar dos andejos!
Desde menino há desejos
de ver atrás das montanhas;
de investigar as entranhas
do mistério das paisagens
e devassar as miragens
de horizontes interiores.
São congênitos pendores
do quixotismo da raça.
E nesse andejar se passa
a pura flor da existência
sem parador, sem querência,
batendo casco a lolargo,
tragueando no mais o amargo
suave das nostalgias.
A doce melancolia
é a embriaguez do gaudério.
Há um insondável mistério
no chamado das estradas
e a vontade desmaneada
de voltar por onde andou.
Quando a jornada findou
sente a absurda verdade:
saudade de ter saudade
porque a saudade acabou!