CORDEONA

Glaucus Saraiva

 

Pobre cordeona que chora

nas mãos de tantos poetas!

Nas minhas trovas inquietas

tua cadência será outra.

Se algumas vezes a potra

desta vida me quebranta,

meu sangue é seiva que canta

sob a eclosão de esperanças,

porque o chilrear das crianças

é sol de um novo amanhã.

 

No tronco de tarumã

dos anseios de minh'alma

teu ressongar traz-me a calma

de renovada energia.

Celebras, na liturgia

de uma tradição liberta,

a querência, cancha aberta

dos sonhos evolutivos,

desses heróis redivivos

que atropelam o futuro.

 

passando o tento dos furos

das guampas da tradição,

ajoujas a evolução

aos valores do passado.

Por isso meu canto, eivado

de telúricas raízes

fermenta sob os matizes

do turbilhão em que estua

o porvir, que continua

o sonho dos ancestrais.

 

À luz de novos ideais,

cordeona, tu cantarás

para mostrares aos piás,

que cabresteiam auroras,

que em teu canto rememoras

um patrimônio de heranças

que vem da ponta das lanças

à forja das oficinas

até embretar nas turbinas

a estrela que luz nos rios.

 

Teus sonoros atavios

de nossas guapas legendas:

desde as ingentes contendas

pela expansão de fronteiras

ao labor nas soalheiras,

que lança da terra moura

a semente redentora

que faz a mesa do peão,

uma pletora de pão

e uma canção à lavoura.

 

És o filho dos anseios

de um povo que luta e sofre,

que vem de bento e de Onofre

quebrando grilhões e freios.

E hoje, aos mesmos rodeios

volta a mesma rebeldia

que encontra em tua harmonia,

sob os responsos da sorte,

a mesma fibra ante a morte

e a mesma fé que ainda o guia.

 

Cantemos, velha cordeona,

sob o mesmo diapasão

a seiva da tradição

que nos fecunda o presente.

A gesta de nossa gente

que do cavalo ao trator,

empunhou, com o mesmo ardor,

a espada, a lança e o malho

e que da guerra ao trabalho

apoja canções de amor.

 

És o ninho emocional

dos rumorejos do pago

e ao som gauchaço e vago

de tua voz ancestral

renasce a História imortal

entre carreiras, relinchos,

sirenas, cascos e guinchos,

dos clarins à chaminé,

na sinfonia da fé

- mesclada dos tons mais puros -

que ao sopro do ideal maduro,

transpõe coxilhas e sangas

tangendo, na mesma canga,

o Rio Grande pro futuro!