HERDEIRA

Francisco Miguel Scaramussa


Sou um perfil de luzeiro do sonho de muitas eras,
que um par de amorosas vontades tornou realidade.
Doçura vertida numa estampa de prenda,
que esta terra vai pintando nos olhos da alma.
As sementes do homem são plantadas no corpo e no coração
e a nossa raça faz pauta pra cantar um bem querer.

Sou herdeira das sementes, das flores, do verde da minha natureza...
e dos frutos maduros para a sobremesa dos cansaços...
Sou herdeira da cacimba de cores que retratam
o meu pago e a minha gente, na fonte dos olhos e do coração.
Das mensagens de acordes, brotados de um clarim de gaita,
com ponteios de sinuelo de uma guitarra pampa.

Herdeira dos silêncios e dos sonhos de vida de tantos patrícios
e dos ternos sacrifícios que se fazem por amor...
Herdeira das plangências sonoras dos sedentos de ternura
e da alegria das criaturas, quando se encontram felizes.
Das lendas e dos encantos, formando a identidade pra futura geração.
Do sentimento de saudade matizando um por de sol
e do clarão de arrebol acendendo a inspiração dos poetas de rebeldia,
na ancestral teimosia, no rastro do boi barroso.

Herdeira das vigílias cansadas, nas caladas da noite,
quando o açoite do sobressalto fustiga a imaginação...
ninando uma canção para quem tanto se ama... escutando o vento...
enquanto a lua ruana da estação, descambou no firmamento...
Herdeira da magia da terra, da água, do sol,
da boieira - olhos de luz - ... infinito sentimento...
da sina de uma raça que tem raízes, história e um futuro!

Então, olhe para o infinito e pinte a pauta do meu grito!
Ouvirás um clarim e um tropel de cavalo...
Verás um gaúcho pilchado como um guerreiro farrapo,
clamando por liberdade...
E este será meu filho! O herói da minha alma!
E na minha intuição feminina,
afundarei atalhos de desvelos nas horas de vigia...
daqueles fins de tarde que se olha para o horizonte,
atirando o laço do pensamento para alguém que partiu e não voltou...

A prenda herdeira guarda um fogo de chão
aceso com os tições da coragem... no peito...
uma cuia bem cevada com mate doce para a seiva da vida...
e um mate amargo para mim mesma,
com as lágrimas fervidas na cambona dos desenganos e desventuras.

E assim,
quando o senhor tempo toldar a trajetória do meu destino,
olhem bem para o poente...
no encontro das duas sesmarias formando um mapa...
verão um mastro se erguendo à beira da cacimba de aquarelas
e, saindo de dentro dela, um arco-íris... (testamento)...
com as listras da nossa bandeira farrapa.
Então, a saudade me fará adormecer
ninando a inocência da minha bruxinha de carinhos...